quinta-feira, 20 de agosto de 2009

EU NÃO VOU POR AÍ!

O Cântico Negro – escrito pelo poeta português José Régio (José Maria dos Reis Pereira, nascido em Vila do Conde, Setembro de 1901, onde morreu em Dezembro de 1969) - e que aprendi a recitar (não sei se “declamar”) com o meu pai nos anos 70, contém alguns dos meus versos preferidos, e, também por isso, é parte do Autorretrato II, a ser publicado amanhã -sexta-feira - aqui na página.

CÂNTICO NEGRO
"Vem por aqui" — dizem-me alguns, com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há nos meus olhos ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí!
Só vou por onde me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos, como farrapos,
Arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo,
Foi só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, o sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas, tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui!"
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
(José Régio)

2 comentários:

Solismar Venzke Filho disse...

Vejo notícias tristes; Adeus Arizinho, descanse em Paz. Força aos filhos,principalmente a minha amiga DÉBORA. Imagens que só aqui posso ver; um leão marinho passeando nas ruas do hermena...o clima muda bruscamente, a temperatuda oscila numa amplitude cada vez maior. Haja sistema imunológico resiliente. Isso é o meu querido Sul. Juninho, valeu...até.

Pedro Jaime Bittencourt Junior disse...

É isso, Solismar.
O tempo passa para todos, e as vezes de forma inclemente aqui no extremo sul do país.
Foi o inverno mais rigoroso das últimas décadas - muito frio mesmo, chuvas, enormes oscilações de temperatura, gripes cada vez mais fortes, aulas paradas, eventos cancelados... -, e a estação nem mesmo terminou e já nos levou a alegria do Ary e de alguns outros aqui da terrinha.
Vida que segue, mais triste, mas segue...
Abraço.