sábado, 30 de julho de 2011

MATE DOS OUTROS

O gaucho (habitante do Pampa, da região agropastoril do Uruguay e da Argentina) tem por costume tomar chimarrão sozinho, sem ninguém para mexer no seu mate. É um hábito tipicamente platense, diferente do gaúcho (do Rio Grande do Sul), este já mais acostumado às rodas de chimarrão. Tomar mate só é exatamente o que parece ser: um ato de solidão, do isolamento que sofrem os homens que se embrenham na imensidão das planícies e das coxilhas do sul da América.
Todavia, mesmo entre os que preferem o mate solitário, mesmo entre aqueles que cultuam o seu mate, vem, com certa freqüência, a vontade de tomar mate “dos outros”. Não é – esclareça-se – tomar mate com os outros, não é participar de uma roda de chimarrão, mas sim experimentar a bebida com um outro sabor.
A vida das pessoas é assim: feita da necessidade de provar mates diferentes. E esse gosto pelo “diferente”, esse desejo de provar o que não é seu, vale para tudo – chimarrão, futebol, política, homens e mulheres –, e serve também para todos – homens e mulheres.
O Pedro Bittencourt tinha uma frase que dizia: “estás tão linda que nem pareces minha”, numa clara referência ao fato de que a beleza da mulher nunca é exaltada pelo “seu” homem, senão que os elogios e a cobiça dirigem-se sempre à mulher que passa, à “outra”, a mulher dos outros.
Assim é também no futebol, onde o jogador que não joga é sempre o mais reclamado pela torcida para resolver os problemas do time; assim é na política, onde todos têm a solução que o Prefeito não consegue ter para os dramas da população; assim é no chimarrão, assim é na vida. Tudo o que “resolve”, o que há de melhor, todas as “soluções” estão longe de nós; conosco fica a rotina, ficam os problemas, fica o amargo mate de sempre.
Não é preciso ser psicólogo para identificar que essa coisa de querer o mate dos outros tem muito de inconformismo com o nosso próprio mate, já que ninguém, ninguém mesmo, pode afirmar que não gostaria de ter sido, ao menos por um dia, o que deixou de ser, na vida.
Daí vem o desejo de provar um outro chimarrão. Mesmo sem trocar de roda, mesmo sem participar de roda alguma, mesmo que seja apenas por experimentar, simplesmente.
É um desejo natural, comum, nada tem de estranho ou de anormal com ele. Ainda assim, cuidado! Nestes tempos de gripe A, de viroses, de epidemias, provar o mate dos outros pode ser mais perigoso do que parece, pode ser devastador, pode ser até mesmo fatal, ou, no mínimo, pode acabar trazendo uma enorme dor de cabeça. Isso se não causar dor pior.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

BICHOS

Um leitor perguntou o que eu quis exatamente dizer quando escrevi, na última crônica, que “os tempos atuais estão nos fazendo mais ursos do que coelhos”, no que me pareceu uma evidente alegoria ao nosso cotidiano de comilões, ainda mais no grosso do inverno sulista.
Ursos, eu acho, comem bastante, e são lerdos e pesados, como nós costumamos ficar nesta época do ano, onde o exercício físico é substituído por chimarrão, cachaça e vinho, ou seja, tudo o que puder esquentar as nossas carcaças atrofiadas pelo frio.
Também andamos “entrouxados”, com pesados casacos de lá, semelhantes aos ursos, com as suas peles grossas.
Daí a comparação com esses animais – pesados, lerdos e comilões –, esperando o day after, ou o day end, que, naturalmente, virão, apesar da proposta de lei contra os estrangeirismos do deputado Carrion.
Já os coelhos, reza a lenda que o que mais fazem não parece ser definitivamente a “dedicação” predileta dos homens, sejam eles velhos ou jovens, nos dias atuais.
A preferência dos coelhos, hoje, pode até ser a segunda atividade mais apreciada pelos homens, depois do futebol, e a quarta ou quinta das mulheres – logo após a chapinha, a pose para a câmera digital, e o orkut e o msn, que costumam aparecer empatados em primeiro lugar.
Assim é que vamos levando o nosso cotidiano – como ursos e coelhos – no “velho lugarejo” que no inverno parece se “arrastar” ainda mais, deixando transparecer com maior amplitude os seus vícios do ano todo.
Um lugar – reflexo do País? – onde se fala muito de futebol e pouco de música, onde têm muita mateada e pouco teatro, muito bingo e pouco livro para ler.
Um lugar – reflexo do País? – onde o carro vale mais do que as pernas, a pose vale mais do que a palavra; um lugar onde as rádios e os jornais dão infinitamente mais espaço para os vereadores do que para os educadores, se é que entendem a comparação.
Um lugar – reflexo do País? – onde bichos de todas as espécies – ursos, coelhos, abutres, aranhas, peruas, piranhas... – acabam convivendo em perfeito compasso, onde lobo não come lobo e os leões às vezes se afrouxam para os veados.
Um lugar que nos cativa e nos amedronta, que nos repele e que nos atrai, que nos aprisiona tal qual um zoológico, feito para abrigar todos os bichos num mesmo lugar, do qual a gente não consegue se afastar, ou, definitivamente, não quer mesmo sair.

domingo, 24 de julho de 2011

MOTIVAÇÕES

Eu confesso que não estava muito motivado para voltar a escrever em jornal, ao menos por agora. Voltar a escrever não, voltar a publicar, que essa coisa de escrever é vício, mesmo em amadores, e a gente não consegue parar depois que começa as primeiras linhas. Eu nunca deixei de escrever, mas parei de publicar, por falta de motivação.
A vida da gente é feita de motivações. Felizes aqueles que se motivam com o seu cotidiano: acordar, comer, trabalhar, comer, olhar a novela, ver o futebol, comer, trepar, dormir... não necessariamente nessa escala. Se bem que os tempos atuais estão nos fazendo mais ursos do que coelhos, só para comparar com os bichinhos mais simpáticos.
Eu gostaria de viver assim, motivado pelo meu dia-a-dia, satisfeito com o meu cotidiano de urso, mas realmente não consigo. É difícil ter motivação para escrever, ou para publicar o que se escreve, no atual momento.
Eu não sei se é só impressão minha, mas as coisas não vão bem, sob esse aspecto, em nenhum lugar, menos ainda por aqui. Existe uma espécie de paralisia, de estagnação, de hibernação, e os autores – cronistas, articulistas, críticos... – parece que não sabem como lidar com isso.
Hibernar, numa tradução própria, é o “nada a ver”, é o “não dá nada”, é o “cada um na sua”. Na hibernação, as pessoas ficam sem se interessar por nada, sem manifestar opinião (a não ser o trivial, o lugar-comum: o asfalto da Visconde, a Seleção de Futsal, o frio do inverno... – as tolas conversas de todos os dias...).
Eu até conversava com o Caboclo (que também havia parado de publicar) um dia desses, sobre a diferença que parece existir entre o atual momento e aquele em que a gente “se encontrou” escrevendo para os jornais locais há cerca de uns cinco anos, mais ou menos. Foi o tempo das caboclianas, das arnobianas (o Arnóbio também parou de publicar); tempo em que nós – todos mais ousados – arriscávamos mais, e a gente se cruzava semanalmente nos jornais, um dando amparo à exposição do outro.
Hoje – o que passou? – as crônicas rarearam, a ousadia diminuiu, a aventura se quedou lá atrás. Ficamos parados, discutindo “lugares comuns”, obviedades, esperando por mais um dia do nosso cotidiano de pandas, sem modificação, sem expectativas, e – que horror! – sem qualquer esperança.
Pois foi exatamente essa ausência de perspectiva, a desesperança, a falta de motivação que me motivou a escrever e a publicar novamente, se é que me entendem.
Até porque, da maneira como estão as coisas e do jeito como anda o tempo aí fora, tenho receio que o urso que habita em mim resolva também hibernar. E desta vez em definitivo.


(Crônica publicada originalmente no Jornal "A Evolução", em 15/07/2011)

quinta-feira, 21 de julho de 2011

O LIVRO NA PRAÇA

Encerrando as publicações sobre O"Clássico" - Uma história de paixão, informamos que o livro se encontra a venda - por doação do autor para os clubes dos exemplares que havia recebido da Secretaria de Cultura de Município - na Banca da Praça Central, Arroio Grande, ao preço de R$ 20,00.
A totalidade do valor arrecadado será dividida igualmente entre o Esporte Clube Arroio Grande e o Grêmio Esportivo Internacional, que voltarão às atividades futebolísticas através da disputa do Campeonato Municipal de Futebol, no próximo mês de agosto.

Na foto, o autor Pedro Jaime Bittencourt Junior faz a entrega dos exemplares do livro para o proprietário da Banca, João Pedro Cardozo.

domingo, 17 de julho de 2011

OS COLABORADORES

"Para escrever a respeito (da história dos Clássicos), o autor buscou estabelecer inúmeras parcerias: de colaboradores, como o Nefton Goz, o Papaco, que fez o "meio de campo" junto ao pessoal do Arroio Grande, e como o Sílvio Luiz Ferreira, o Silvinho, que atuou como "ponta de lança" em meio à turma do Internacional, sendo que a contribuição de ambos foi de extraordinário valor para a obra".

(O "Clássico" - Uma história de Paixão, pg. 24)
Sílvio Luiz Ferreira, o Silvinho



Nefton Góz, o Papaco*, abraçado pelo jornalista Jorge Américo


(*) A nota triste foi o falecimento do Papaquinho, aos 65 anos de idade, ocorrido em 18/12/2010, próximo à conclusão do livro.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

A POESIA DO CLÁSSICO

O livro O "Clássico" começa, não por acaso, com a palavra do extraordinário escritor Aldyr Schlee, autor do prefácio, e encerra com a poesia da notável poeta Marília Floor.

A Marília é essa moça aí de cima, postada entre a fotógrafa Marcia Ferreira e o artista plástico Zé Darci, quando nos "juntamos" os quatro para percorrer outros caminhos - fotografia, poesia, pintura e literatura.

Quem quiser conhecer um pouco mais da poesia da Marília é só procurar no seu blog - http://asangadaspatavinas.blogspot.com/
Abaixo, a poesia que encerrou o livro.


CLÁSSICOS
(Marília Flôor Kosby)

Saci versus Caturrita
naquele tempo
não era jogo de futebol
que uma menina de pais zelosos
pudesse assistir da arquibancada

Surdo, pistom, tarol e trompete
e todo carnaval que a charanga fizesse
de longe, até escondiam
o que ali no meio,
era um bacanal,
uma orgia verbal
de nuas e cruas obscenidades

Uma senhora de idade e respeito
não assistiria da arquibancada a um clássico
sem ter violados os seus pudores mais castos
Então, a gente acompanhava os jogos do outro lado do campo
longe das torcidas
A vó dentro do carro
Eu e o vô, na beira da tela, perto do gramado

Onde terminava um homem
e começava outro?
Só por cores tão distintas se soube
qual corpo outro corpo buscaria
a enfrentar.
Pelas costas, o primeiro músculo a se adiantar do adversário
Precipitava a marcação cerrada.
Pelas costas
Grudados, colados, trincados
Como eram bravos!
E que gozado,
como era quase amor aquela quase luta!

Por agora, moça feita,
guardo de meus avós as lembranças mais ternas
E arrisco fazer das palavras
as coisas que elas não querem dizer

Mas - puta que pariu! -
que coisa mais boa que tem
subir na tribuna que é uma torcida de futebol
e largar uma caralhada de nomes
prá um bando de fresco correndo atrás d’uma bola,
fazendo do que poderia ser apenas mais um jogo,
a dança, o drama, a poesia
do que há de mais criativo
entre as cosias que a gente inventa de gostar
sabe-se lá para quê.

domingo, 10 de julho de 2011

O FOLCLORE - OS VERSINHOS

"Ao menos em duas ocasiões (há qem afirme que houve outras), a Cidade foi invadida por 'versinhos' que faziam a alegria do público esportivo local, sendo divulgados antes e depois da realização dos Clássicos, quando as suas cópias corriam de mão em mão pelos quatro cantos do Arroio Grande."

Antecedendo um Clássico (início da década de 60):

Um lado - O Sacy comerá a Caturrita

"Vamos ver novamente

Aquela coisa tão bonita

Um já famoso Sacy

Comendo uma Caturrita..." (clique na imagem para ampliar e ler)


Do outro lado - A Caturrita beliscará o Sacy

"Eu vou ver este ano

Coisa que nunca vi

Uma Caturrita verdinha

beliscando um Sacy..." (clique na imagem para ampliar e ler)


"Embora publicados como sendo de 'autor desconhecido', os versos sempre tiveram conhecida a sua autoria que, eventualmente, saía do anonimato para assinar-se como sendo de criação do 'poeta barrigudinho que ama o Arroio Grande', apresentação que muitas vezes aparecia nas publicações locais.

Tratava-se de Luiz Silveira de Mello, o conhecido Luizinho Fotógrafo, figura das mais populares, simpáticas e admiráveis da Cidade, que marcou época pelo bom humor e pelo senso de publicidade que demonstrava já naqueles tempos, sabendo como poucos promover jogos e eventos, assim como os seus próprios negócios".

(Do livro O "Clássico" - Uma história de Paixão - pgs. 351-360).

quinta-feira, 7 de julho de 2011

AS TORCIDAS

Apaixonadas, vibrantes e eternas rivais, as torcidas do E. C. Arroio Grande e do G. E. Internacional sempre foram um espetáculo a parte no Clássico local, marcando forte presença tanto no Estádio Saci (acima), como no Estádio Caturrita (abaixo).

As comemorações:


Na comemoração dos títulos, as torcidas costumavam tomar as ruas da cidade, como na foto acima, quando o Saci festejou o título de Campeão da Cidade de 1959; ou, então, comemorar em lugares característicos como o Bar Meu Cantinho (foto abaixo), atendido pelo ex-goleiro Alicate, tradicional ponto da torcida Caturrita.

Por tudo, as torcidas do Arroio Grande e do Internacional aguardam até hoje pelo retorno do Clássico local, evento que marcou a vida da imensa maioria dos habitantes da Cidade por mais de meio século.

domingo, 3 de julho de 2011

OS ESTÁDIOS - OS SÍMBOLOS

O Estádio Astrogildo Silveira Machado (Estádio da Avenida - acima), do Esporte Clube Arroio Grande, e o Estádio Sílvio Carlos Ferreira (Estádio dos Eucaliptos - abaixo), simbolizam os territórios de Sacis e Caturritas desde a metade da década de 40 do século passado. Em um e no outro aconteceram mais de 130 Clássicos no decorrer de cerca de 60 anos de enfrentamentos. Os principais jogos estão contados no livro O "Clássico" - Uma história de paixão, em detalhes que retratam toda a rivalidade do futebol local.