quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

BLECAUTE

Pouca gente lembra, mas há trinta anos, aproximadamente, lá pelo final da década de 70, faltou luz durante mais de uma semana em Arroio Grande.
Começou por esta mesma época, às vésperas do Natal, e entrou janeiro do ano seguinte adentro.
A origem do apagão foram uns geradores que estouraram lá pela Estação Basílio, num local de difícil acesso, e que tiveram as suas peças de reposição arrastadas sobre enormes pranchões, pelo meio do mato, até chegarem ao seu destino, quase uma semana depois.
Foi o caos. Primeiro sem luz, em seguida sem água e sem comunicação, a cidade teve que se acostumar com carências que julgava superadas: – falta de líquidos e alimentos frescos, ausência de chuveiro elétrico, de televisão... –, e mergulhou literalmente na escuridão do primitivismo.
Os dois primeiros dias todo mundo agüentou, na expectativa da solução que deveria vir a qualquer momento; deveria, mas não veio.
Passado o fim-de-semana - onde uns foram para a Praia, alguns para a Campanha, e outros para onde a luz fizesse menos falta -, quem pôde se mandou definitivamente, mas quem ficou comeu o pão que o diabo amassou, e comeu no escuro, sem nem enxergar direito o que mastigava.
Mais de uma semana sem luz, foi realmente um drama, mas que teve momentos divertidos, teve.
O Eraldo, rápido como sempre, tomou a dianteira; conseguiu um gerador emprestado e passou a ser o único da cidade com cerveja gelada, com as pessoas bebendo de tudo, até as Malt 90 - uma “coisa” fermentada, de rótulo verde, que tentou ser cerveja – as últimas que sobraram. Até gelo - que valia muito naquele momento - o Eraldo tinha, embora em doses limitadas, mas diariamente, lá na Top Set.
A maioria da cidade, porém, sofreu com o blecaute. Alimentos que estragaram, congelados que derreteram, sujeira por todo lado e uma verdadeira romaria diária para tomar banho no arroio, que se transformou num imenso chuveiro coletivo, com turbas de freqüentadores que deixavam as águas do Grande branquinhas da espuma dos sabonetes.
Uma parte da nossa turma, liderada pelo Luís Carlos Negrão, resolveu acampar em definitivo às margens do arroio, com liquinhos, fogareiros, colchonetes, e muita, mas muita cachaça, além do violão que iluminava as noites enormes e a própria alma dos acampados.
Estava fundada a República do Salso, do “lado de lá” do arroio, que recebeu a fina flor da bagaceira da cidade, entre borrachos, cantores, declamadores, aventureiros, ou simplesmente curiosos, e até abigeatários amigos, já que não era incomum aparecer por ali uma ovelha, um leitão ou uma penosa, todos achados meio que por acaso na escuridão da noite.
O ano que terminou sem luz, o final de ano que iluminou a minha mocidade. Quem viveu não vai esquecer o Natal mais solidário que jamais tivemos, quando nos comunicamos como nunca na cidade que ficou às escuras por mais de uma semana.
Foi um bom fim de ano, aquele. Numa época em que a gente não precisava ainda dos orkut para chamar aos outros de Amigo...

domingo, 21 de dezembro de 2008

DUAS HISTÓRIAS ONDE O DINHEIRO NÃO TEVE A MÍNIMA IMPORTÂNCIA




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Anos 70, época ainda do movimento hippie, revolução dos costumes, anos de chumbo por aqui, o Pedro Bittencourt, o Zéca do Valentim, o Zé Paulo e o Camões Avirelis, depois de uma excelente noitada, saem sem dormir do Arroio Grande e rumam para a Praia do Hermenegildo, em busca de sabe se lá o quê...
Depois do atalho por Santa Isabel, já na BR, lá pela altura da Capilha, o Opala Azul do Pedro acusa a iminente falta de gasolina; o Posto Ipiranga, no Taim, torna-se parada providencial.
Chegados ao Posto, mais cerveja, o Pedro pede Vinícius de Moraes, o Zé Paulo tira o violão do porta-malas, o Zéca prepara o vozeirão e a cantoria rola solta em plena beira de estrada.
Terminado o abastecimento, o Avirelis, declamando o “Soneto de Fidelidade”, se antecipa ao Pedro para pagar a conta. Aproxima-se do bombeiro, retira o equivalente a uns R$ 200,00 (em valores de hoje, óbvio) e alcança as notas, exclamando tropegamente: – Podes ficar com o troco, que hoje eu ‘to’ apaixonado! O rapaz, olhando àquele bando de loucos, já de saco cheio com a bagunça, responde ao Camões: - O Sr. ta é bêbado, a essa hora da manhã! O Avirelis espicha a mão, retoma o dinheiro, conta nota por nota e entrega o exato valor marcado na bomba para o funcionário: - Ta aqui o pagamento certinho; me dá o troco de volta que tu não tem sensibilidade. E embarca no Opala, ofendidíssimo.
Então não dava para perceber que tudo aquilo era uma demonstração de paixão? Paixão pela arte, paixão pela liberdade, paixão pela vida... Onde já se viu confundir tamanha paixão com bebedeira, onde já se viu!?!
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Verão de 1986, preços congelados pelo “Plano Cruzado”, saímos eu, o Birinha do Gita, o Kiko da Candinha e o Neneco Silveira a viajar pelo País e fomos até a Praia de Guarapari, no Espírito Santo. Lá, íamos sempre ao mesmo Bar, somente para beber; coisa de uns quarenta chopes e um litro de uísque por noite, na média.
O Neneco, que havia recebido uma boa grana, resolveu inaugurar uma moda: nós dividiríamos a conta por três e ele daria a gorjeta, com um detalhe: a gorjeta seria sempre no valor igual ao do consumo. A cada noite, contas de três dígitos, e o Neneco sempre dando a mesma quantia para o garçom. A coisa ia assim até chegar o fim-de-semana quando fomos avisados que, por ser sábado, as mesas somente seriam ocupadas por quem fosse jantar, o que não era o nosso caso, já que apenas bebíamos, no máximo beliscando algum petisco.
Já nos preparávamos para sair quando o nosso garçom de todos os dias, um chileno de Valparaíso, percebendo que iríamos embora, virou-se para o gerente e gritou, num portunhol claríssimo: – Acá! Mesa once para los muchachos! – dizia, apontando para nós – E pide cuatro filés com fritas e no necessita servir, que com ellos yo me acerto! – garantiu, o que acabou mesmo acontecendo.
Ao final, não comemos nada, pagamos o mundaréu de bebidas e o Neneco deu a gorjeta de sempre. E o chileno acertou a conta, fácil, fácil, fácil...

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

RUA DA BAHIA, RUA DA BAHIA... (QUE NÃO, QUE NÃO, QUE NÃO ME SAI DO PENSAMENTO, AI, AI...)


Rua da Bahia, Arroio Grande, República dos Gumercindos, Brazil, Mundo, Via Lactea...
Dia 12 do 12 do último ano, do começo da madrugada até o clarear do dia...
O encontro da Velha Guarda, das Novas Gerações e das turbas mais representativas
"da mente insana dos amigos, que infernizam a cidade..."
As presenças reais, evocadas e invocadas que aparecem e desaparecem a todo o momento, sem nunca deixar de estar presente...
Os das fotos (abaixo), os de fora da foto (ao lado, com certeza!), e o da foto acima, o poeta, o criador, o mito, o eterno...
Rua da Bahia, 12/12/2008 - 33,333 anos depois - tudo tão diferente e tudo ao mesmo tempo igual; tudo novo e tudo tão repetido; tudo de novo, como se nunca tivesse deixado de existir...

domingo, 14 de dezembro de 2008

"AS VERDADEIRAS"

Numa época bem anterior a chamada globalização, onde as “coisas” modernas custavam a chegar ao Brasil, mais ainda aqui nesta zona de fronteira, eu tive a felicidade de sair por aí e acabei me deparando com “novidades” que só chegariam nesta paróquia mais de uma década depois.
Do código de barras à esteira rolante no caixa dos supermercados, das pílulas alimentares à bebida que gela ao abrir da lata, eu vim a conhecer a cerveja “sem álcool”, uma enorme novidade há vinte anos atrás. Entusiasmado com a descoberta, gastei “o que não tinha” e comprei doze garrafas da franco-holandesa “Buckler”. Experimentei uma e guardei as demais na mochila para quando retornasse de viagem.
Só pensava no meu pai, cervejeiro por natureza, e que segundo contas do Neneco Silveira teria tomado um açude de bebidas durante toda a sua vida. “Um açudezinho pequeno”, de uns 100 metros cúbicos, esclarece o Neneco, pra não parecer que exagera.
Pois o Pedro Bittencourt estava em Pelotas quando eu retornei, louco para mostrar as novidades. Enquanto conversávamos, fui entregando os presentes que trouxera pra ele: - Um livro do Jules Laforgue – poeta francês nascido acidentalmente em Montevidéu – comprado num sebo de Paris; um postal antigo do cabaré Moulin Rouge; um vinho português; e as Buckler “sans alchool”, compradas em Lyon, sem dúvida algo diferente para aquela época.
O Pedro, exagerado como sempre quando diante de algo novo, ficou radiante, mas não quis experimentar nada sem antes convidar o Jacques Chiacchio, seu parceiro natural de cervejadas. Telefonou pro italiano que estava em Arroio Grande e combinou um encontro no fim de semana, pra desfrutarem juntos da “novidade”.
No sábado, o Jacques apareceu no meio da tarde no apartamento que o Pedro ocupava em cima das Lojas Mazza, no Centro de Pelotas; impaciente, mal esperava à hora de experimentar a tal bebida, já antecipando que não via nenhum fundamento em tomar um negócio que não fizesse efeito.
No início do Jornal Nacional, o Pedro considerou o momento adequado pra abrir as cervejas, como aperitivo antes da dupla sair pra noite; pra o Bar do Comercial, pro Vinícius, pra Bete ou pro Solón, num roteiro que não tinha hora pra terminar.
Aberta a primeira garrafa, cada um sorveu um longo gole, enquanto se olhavam sem fazer nenhum comentário.
Tomaram uma, duas, três... nove, dez, onze, e acabaram ligeirinho com o pequeno estoque.
Então o Pedro se virou pra o Jacques e perguntou provocativo: - “E aí, italiano, bebeste todas as cervejas sem álcool e não tens nada pra dizer?”. Ao que o Jacques, com a calma que o caracterizava, olhou pra o amigo e exclamou na maior tranqüilidade: - “Ué, muito boas, lógico, mas agora vamu pará com essa brincadeirinha e abre logo uma das verdadeiras!”
E continuaram tomando cervejas, pela noite e pela vida afora...

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

CERVEJEIROS

O Pedro Bittencourt e o Jacques Chiaccio, juntos, bebendo cerveja sem alcool?
Alguém consegue imaginar?
Pois isso realmente aconteceu. Uma vez, uma única vez, há quase vinte anos.
O resultado?
Pois eu vou contar na crônica de fim-de-semana - com o título de "As verdadeiras" -, aqui na página e no espaço do auto-retrato, às fls. 03 do Jornal A Evolução. É esperar e conferir.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

BOLINHO DE BATATA

Na crônica “O que há de bom!”, publicada no mês passado, escolhi como um dos símbolos do que existe de simples e bom na nossa cidade o bolinho de batata feito pela Dona Neta, que a gente encontra lá no Bar do Paulinho, ali próximo aos fundos do campo do Inter.
Isso fez com que algumas pessoas – ainda que sabedoras da excelência da cozinha da Dona Neta -, me questionassem sobre o porquê do bolinho de batata? Porque não pastel, ou croquete, ou sanduíche, ou mesmo algum prato de qualquer restaurante? Porque o bolinho de batata e não uma outra iguaria, qualquer salgado ou doce?
É que o bolinho de batata representa algo que realmente é simples e bom, podendo ser extraordinário, dependendo da mão que o encaminhe.
Uma receita prática e barata: farinha, ovos, guisado, e batatas, claro; um certo jeito pra tratar com a massa, paciência pra dar o tempo certo de fritura e, pronto, temos o petisco predileto de muitos brasileiros.
Não por acaso, as pessoas mais simples e bonitas com quem pude conviver – a Dona Candinha, paixão da minha infância, o Seu Duca, velho guerreiro, bravo lutador da vida, o Neguinho Tuíca, amigo de sempre, a Ceni, a Dona Neta... – são as que fizeram (e algumas continuam fazendo) os melhores bolinhos de batata que conheci.
O Paulo Sant’ana, numa crônica memorável publicada há uma meia dúzia de anos, escreveu em Zero Hora sobre uns bolinhos de batata famosos de um certo lugar em Porto Alegre. No outro dia, a sua caixa de e-mails estava entupida de recados, com os leitores mandando dicas de bolinho de batata de todo o Rio Grande, dando uma repercussão ao assunto que o próprio Sant’ana não esperava.
Entre os que escreveram para o Paulo estava o Rogério Brodbeck, de Pelotas, que proclamou a extraordinária qualidade dos bolinhos de batata feitos pela Dona Marly, no Bar do Nenê, ali na Andrade Neves com a Argolo, um dos redutos mais tradicionais da turma do aperitivo de Pelotas já fazem mais de duas décadas.
Lá no Nenê tem bolinho de bacalhau, tem croquete feito na hora, tem pastel de queijo, tem o sanduíche aberto e tem o “batatinha”, que é como ele chama o bolinho de batata da Dona Marly, entre uma infinidade de petiscos de dar água na boca.
Pois eu, mesmo sendo assíduo freqüentador e contumaz devorador dos salgadinhos do Bar do Nenê, deixo-me levar pela paixão que cada vez mais devoto às coisas da minha terra, para declarar – de forma oficial, solene e irretratável - que não existe nada no mundo igual ao bolinho de batata da Dona Neta, com a vantagem da gente poder comê-lo lá mesmo no Bar do Paulinho, e de pé ao lado do balcão, na companhia de amigos como o Bide e o Denílson, o que, convenhamos, não é para qualquer um.

sábado, 29 de novembro de 2008

DRAMAS

A tragédia que vem se abatendo sobre o vizinho Estado de Santa Catarina assusta pela grandiosidade, pois acaba de deixar, em menos de uma semana, uma centena de mortos, grande número de feridos e milhares de desabrigados, vítimas do excesso de chuvas.
O Estado tem regiões praticamente isoladas – como no Vale do Itajaí, a zona mais atingida, onde choveu em uma semana o equivalente a quatro meses para aquela região - com estradas cortadas e lugares sem qualquer comunicação, somente com acesso por helicóptero.
Santa Catarina acaba sendo vítima de sua belíssima formação - de um lado o mar, do outro as montanhas, entre os dois muitos arroios e rios, e, por conseqüência, um solo extremamente frágil que não suporta a pressão dos morros que, pelo excesso de água, acabam desabando, soterrando casas e vitimando pessoas.
É uma catástrofe de origem natural, onde o homem tem muito pouco a fazer preventivamente, restando à mobilização, o auxílio e a solidariedade.
Pois o nosso Estado vive um outro drama que não tem causas naturais, mas que também choca, pois igualmente está maltratando pessoas e vitimando a sociedade.
Refiro-me a decisão do Governo Yeda de não pagar os Professores que aderiram à justíssima Greve do Magistério Estadual, fazendo com que muitos profissionais da Educação, que já ganham um salário minúsculo, venham receber neste mês - às vésperas do fim de ano - em torno de cem, duzentos reais, por aí.
É uma decisão extremamente autoritária, que atropela o diálogo, fere o bom senso e põe em risco a própria subsistência de toda uma categoria de servidores.
Todo mundo sabe que, no Estado Democrático, as questões secundárias da greve – dias parados, aulas perdidas, recuperação de conteúdos... – acabam sendo resolvidas depois de solucionada a questão central, no caso a adoção do piso nacional para os professores, uma prioridade para quem se dedica a formar cidadãos, mas é tratado fora dos mais elementares princípios da cidadania.
A Greve, aliás, é o último recurso, quase um grito de desespero, para quem é levado pouco a pouco rumo à indignidade, como se ensinar fosse “bico”, escolha de menor importância.
Pois desta vez, a Governadora Yeda, ameaçadora e intimidativa, resolveu agir antes, decidindo cortar o salário da já combalida classe dos Professores, visando constrangê-los a por fim a greve, o que com certeza vai acabar conseguindo, nem que seja por inanição.
Santa Catarina e Rio Grande do Sul, dois dramas com difícil solução. No primeiro, talvez a mão de Deus venha a dar um fim à tragédia vivida pelos vizinhos catarinenses; já no segundo caso, parece que nem Deus vai se atrever a colocar a mão, pois diante de uma Governadora que corta o diálogo, corta direitos, corta ponto, corta salário... – até para o Todo Poderoso convém não facilitar.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

SETE FRASES DO ARROIO GRANDE








Em razão da crônica anterior, repleta de referências a expressões que fizeram à fama dos personagens de Garcia Márquez, acabei por lembrar de certas frases daqui mesmo do Arroio Grande que ficaram conhecidas pela sua originalidade, o que fez “daquela” uma expressão diferente das demais, mesmo as semelhantes, parecidas, mas não iguais.
De tudo o que já escutei, destaco algumas frases, possivelmente até distorcidas por eventuais descuidos da memória:
- Do Edu Damatta - o Caboclo - sempre que a gente comenta como é difícil construir alguma coisa por aqui, quando aparecem poucos para ajudar e muitos para “trabalhar” contra:
“É... Arroio Grande é Arroio Grande, não é Jaguarão e nem Pedro Osório...”.
- Do Dr. Antônio Siedler, numa ocasião, no início dos anos 90, quando fomos procurá-lo pedindo que ele fosse o nosso candidato - da oposição - a Prefeito do Arroio Grande, em nome do sonho de “mudança” que já durava quase 20 anos:
“O problema é que depois de uma certa idade a gente já não tem mais sonhos, tem fantasias...”
- Do Dr. Nilo Conceição, indignado com a liberalidade da TV que mostrava “A Vida como ela é”, de Nélson Rodrigues, recheada de cenas fortes, em pleno horário nobre de domingo, nos anos 80:
“A televisão não tem que mostrar a vida como ela é, tem que mostrar a vida como ela deve ser.”
- Do Dr. Paulo Carriconde, diante de um pequeno incidente doméstico, ocorrido já há alguns anos, quando a família ficou por breves instantes sem se comunicar com ele:
“Se ainda fosse um silêncio fraterno...”.
Do Pedro Bittencourt, num comício no fim dos anos 60, quando “baixava a lenha” nos prepostos da ditadura, ao perceber que um “da Arena” saía de fininho do local, fingindo que não era com ele:
“É contigo mesmo, calça floreada!”.
- Do João Walter Ribeiro, não se contendo diante do depoimento de um ex-empregado, que, para valorizar algumas horas extras no período da aguação, exagerava dizendo almoçar na lavoura, jantar na lavoura, dormir na lavoura...:
“Mas esse homem é um sapo!”.
E, por último, do Kiko da Candinha, justificando que mesmo que a gente deva resistir à sordidez humana – não matar, não roubar, não mentir... –, na vida tudo é permitido:
“Só não vale é gelá a testa”.
Realmente, neste “vale de lágrimas”, onde a torpeza se encontra cada vez mais banalizada, quase tudo acaba se justificando, menos a ida para o “outro lado”, que, ao menos até agora, não se tem notícia de que tenha valido a pena para ninguém.
Já o resto vale; de preferência sem sordidez.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

SOBRE SAPOS E CALÇAS FLOREADAS...


Não só Macondo, ou Aracataca, ou Cartagena das Indias - os povoados do universo literário e real de Garcia Márquez.
Arroio Grande também possui as suas frases antológicas (quem não as têm?), tiradas de personagens conhecidos por todos nós, convivas da paróquia.
As minhas preferidas?
Pois estarão no próximo fim-de-semana, na página três de “A Evolução” e aqui no blog, na crônica “Sete frases do Arroio Grande”.
É claro que existem outras; na verdade muitas mais. Esperem publicar o texto, comentem e mandem novas frases com a marca da terra, pra gente comparar.
Mas, já aviso: vão se preparando desde agora. As minhas são uma seleção, mas uma seleção... de respeito, mesmo.
É esperar para crer.

sábado, 15 de novembro de 2008

GARCIA MÁRQUEZ E OS DIÁLOGOS

Gabriel Garcia Márquez, seguramente o escritor que melhor descreve a difícil situação enfrentada pelos povos da América Latina através dos séculos, tem revelado a sua imensa capacidade como criador também na elaboração dos diálogos dos seus personagens, que reproduzem frases que a gente já ouviu, que já disse ou que ainda vai dizer, ainda que sem a mesma habilidade do mestre colombiano.
São preciosidades da obra de Garcia Márquez as expressões:
“Uma manhã assim dá vontade de tirar retrato”.
(do veterano Coronel, que passou vinte anos esperando uma correspondência que nunca chegava, numa manhã de sol radiante - no livro “Ninguém escreve ao Coronel”).
“Os homens só acreditam no que vêem nos lençóis”.
(de algumas cumadres, ensinando a artimanha do mercúrio para a noite de núpcias de Ângela Vicário, que não era mais virgem, antes de casar com Bayardo San Román – em “Crônica de uma morte anunciada”).
“Nunca compartilhei segredos nem contei uma só aventura do corpo ou da alma, pois desde jovem me dei conta de que nenhuma é impune”.
(do ancião nonagenário, protagonista de “Memória de minhas putas tristes”).
“O diabo da experiência é que ela nos chega quando já não serve mais para nada”
(do Doutor Juvenal Urbino, no livro “O Amor nos tempos do cólera”).
“Aproveite pra sofrer por amor enquanto ainda é jovem, meu filho, você vai ter muito pouco tempo pra isto mais tarde”.
(de Trânsito Ariza, para seu filho Florentino, que chafurdava pelo amor proibido de Fermina Daza - em “O Amor nos tempos do cólera”).
É melhor brigar por orgulho do que não saber por que se briga”.
(do Coronel Aureliano Buendía, no épico Cem Anos de Solidão, a novela mãe do realismo fantástico).
“O dinheiro é o cagalhão do diabo”.
(de Tranquilina Iguarán, avó materna de Garcia Márquez – no livro de memórias “Viver para Contar”, em resposta ao seu marido Coronel Nicolas Márquez, que conseguiu convencê-la a mudarem para Aracataca, onde, segundo ele, o dinheiro ‘corria pelas ruas’, no auge da exploração bananeira na região).
“Dá no mesmo”.
(do Alcaide [Prefeito] da cidade, ao ser perguntado pelo dentista Aurélio Escovar, depois da extração de um molar, para quem deveria mandar a conta, se para o cliente ou para a Prefeitura – no livro “Os funerais de Mamãe Grande”)
E, por fim, a epígrafe do “Viver para Contar”, do próprio Garcia Márquez:
A vida não é a que a gente viveu, e sim a que a gente recorda, e como recorda para contá-la”.
A gente pode até não ter a capacidade e nem a criatividade de um Garcia Márquez, mas a verdade é que passamos a vida inteira pensando em dizer algo parecido. Ou não?

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

"UMA MANHÃ ASSIM DÁ VONTADE DE TIRAR RETRATO"







A frase é do veterano Coronel, que passou 20 anos esperando por uma correspondência que nunca chegava; dita uma manhã de sol radiante - na obra Ninguém escreve ao Coronel.
Essa imensa capacidade de Garcia Marquez de colocar expressões grandiosas nas falas dos seus personagens, será objeto da crônica "Garcia Marquez e os diálogos". No fim-de-semana, no jornal "A Evolução" e aqui na página.
Por falar nisso, alguém lembra - em "Os funerais de Mamãe Grande" - o que teria dito o Prefeito da cidade quando, depois da extração de um molar, foi perguntado pelo dentista para quem deveria ser enviada a conta, se para o cliente ou para a Prefeitura?
Pois essa conversa também estará em Garcia Marquez e os Diálogos, em seguida, aqui na página.

sábado, 8 de novembro de 2008

DR MONTEIRO





Nem Manoel Jerônimo de Souza, nem José Baptista de Carvalho – os nossos primeiros povoadores -, nem Souza Gusmão e nem D. Maria Pereira das Neves, eles que doaram o terreno em torno do qual se ergueria à Vila; chama a atenção que o nome da principal rua do Arroio Grande, da nossa rua mais central, tenha sido dado em homenagem a um forasteiro, um homem que habitou a cidade por menos de uma década, e que aqui morreu muito cedo, com apenas 32 anos de idade.
Antônio Monteiro Alves, o Dr. Monteiro, nasceu no Estado da Bahia, em 1847 ou 1848. Estudante da tradicional Escola de Medicina da Bahia, fundada em 1808, Antônio formou-se no ano de 1871, defendendo a Tese “Febre Amarella”, o que viria a render-lhe o título de “Doutor” em Medicina.
Não existem dados sobre a vinda do Dr. Monteiro para o Arroio Grande, mas tudo leva a crer que isso tenha ocorrido logo no ano seguinte à sua formatura, pois documentos que fazem referência à sua morte dão conta de que o Médico prestou “incontáveis serviços” à nossa população por cerca de oito anos, até vir a falecer em 25 de março de 1880.
A morte ocorreu por tuberculose pulmonar, quando o Dr. Monteiro contava com 32 anos de idade, deixando três filhos menores - Francisco, Maria Cândida e Henrique – e a viúva Augusta da Silveira Alves, também baiana, e que, presumivelmente, retornou à sua terra natal logo após a morte do marido.
O documento mais interessante a respeito da vida do Dr. Monteiro por aqui é a Acta n° 160, do Legislativo Municipal, lavrada a 12 de junho de 1880, menos de três meses depois da morte do médico. Por aquela Ata, o parlamento de Arroio Grande decide trocar o nome da rua mais central da cidade – então chamada “Rua do Commercio” – para homenagear o “Médico Humanitário”, precocemente retirado do convívio dos arroio-grandenses.
A Ata, aliás, registra uma passagem belíssima, onde o proponente da homenagem, Dutra da Silveira, depois de ver aprovada a troca do nome da rua – de Rua do Commercio para “Rua do Doutor Monteiro” -, assim se manifesta: “Aceitem os Athenienses Bahianos essa prova de amizade e consideração que um punhado de Espartanos Rio-Grandenses agradecidos exibem pelos relevantes serviços recebidos de um seu irmão...” (Sala de Sessões da Câmara Municipal, doze de julho de mil oitocentos e oitenta).
Por “athenienses bahianos” parece que o orador quis fazer referência à Educação que àquela época destacava o Estado da Bahia, enquanto que “espartanos rio-grandenses” seria revelador do espírito de luta do povo gaúcho, historicamente acostumado a longas quizílias em defesa dos seus ideais.

É interessante saber que, ainda hoje, a rua da Praça Central, a rua dos Bancos, do Café, das lancherias; a rua dos passeios de carro, do desfile dos jovens, dos namoros; a rua por onde todo mundo passa, conserva o nome de um camarada de quem pouco se sabe, mas que há 128 anos vem marcando a vida dos habitantes do Arroio Grande. Afinal, desde 1880 toda a cidade se encontra mesmo é na Rua do Doutor Monteiro.


quinta-feira, 6 de novembro de 2008

CRÔNICA PARA UM DESCONHECIDO ILUSTRE...
















O Doutor Monteiro (Antônio Monteiro Alves), que deu nome à rua da foto aí de baixo, nasceu no Estado da Bahia (não se sabe em que cidade), em 1847 ou 1848, onde formou-se em Medicina no ano de 1871. Morreu aqui em Arroio Grande, no dia 25 de março de 1880, aos 32 anos de idade, de tuberculose pulmonar (conforme atestado de óbito, pesquisado no Registro Civil da Comarca).
A foto aí de cima é do túmulo do Dr. Monteiro, que foi deslocado do antigo cemitério (localizado onde fica hoje a Pracinha de Esportes) para o atual, situado lá no fim da Avenida da Saudade.
No sábado, uma crônica com mais dados sobre o Dr. Monteiro – um quase desconhecido imortalizado como nome da principal rua da nossa cidade -, nas páginas de “A Evolução” e aqui no blog.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

AS RUAS DA MINHA CIDADE (VII)













Rua Dr. Monteiro - Centro (clique na imagem para ampliar)
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A Rua Dr. Monteiro é a principal rua do Arroio Grande, sendo cercada pela Praça Central, pela Prefeitura Municipal, pela Câmara de Vereadores, por Bancos, lancherias, bares, etc.
É a rua onde ficavam localizados o antigo cinema (Cine Marabá), o antigo Café Central; é a rua que há cem anos levava para o antigo Cemitério, situado onde é hoje a Pracinha de Esportes, que fica em frente ao atual Centro de Cultura Basílio Conceição.
É a rua dos passeios de carro, do chimarrão à tardinha, das conversas de esquina, dos namoros; é a rua dos desfiles escolares, dos desfiles tradicionalistas, é a rua dos desfiles das Escolas de Samba, a rua do Carnaval.
A rua tem esse nome em homenagem a Antônio Monteiro Alves, médico baiano que aqui veio a residir e clinicar, e que faleceu precocemente em 1880, com apenas 32 anos de idade.
Até então, a rua se chamava Rua do Commercio, mas apenas três meses depois da morte do médico Antônio Monteiro foi transformada, por iniciativa do parlamento municipal, em Rua do Doutor Monteiro, denominação que pesiste até hoje, 128 anos depois.
Sobre o Dr. Monteiro existem alguns (poucos) dados interessantes, que deixamos de transcrever aqui, pois o Médico será objeto da nossa crônica de fim-de-semana, a ser publicada no Jornal "A Evolução" e aqui mesmo na página.
De qualquer forma, a nossa Rua Principal, a nossa rua mais central é mesmo a rua mais marcante da cidade. Por ela passam os nossos sonhos e aspirações, os nossos desejos e fantasias, a nossa expectativa e a nossa esperança.
Pela rua Dr. Monteiro passa, enfim, toda a existência de uma cidade, toda a vida do Arroio Grande, a vida de cada um de nós que amamos cada rua, cada canto, cada lugar por onde circularam e circulam todos os personagens desta terra...

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

ARNOBIANAS E CABOCLIANAS (II)


(O Duelo entre a Figueirinha e o Capão das Pombas)

O Arnóbio acordou cedo, por volta das 6:00 horas. Preparou o chimarrão, esperou o Corsa aquecer e tomou o rumo da Figueirinha. Passaria primeiro pela chácara, para ver como andavam as coisas, antes de partir para o Encontro, desta vez marcado para as imediações da Ponte Mauá.
O Caboclo sequer havia dormido, pois ficara toda a madrugada acompanhando uma rádio do Caribe, uma mostra de ritmos com músicos ligados às poblaciones do Rio Magdalena; a propagação estava perfeita, sem interferência, uma beleza, à noite toda.
De vez em quando ia até a porteira e espiava os céus, tudo calmo, tranqüilo, sem qualquer sinal de nuvens lá pras orrillas do Uruguay; o Capão das Pombas respirava tranquilamente a fria madrugada de setembro.
O 2º encontro entre arnobianos e caboclianos, o duelo entre a Figueirinha e o Capão das Pombas, havia se transformado num acontecimento na cidade.
As provas eram bastante simples, com adeptos do Arnóbio e do Caboclo respondendo perguntas escolhidas antecipadamente por outras tendências – os bittanquianos, os salaberrynos, as donguetes... -, a respeito dos dois criadores, indo depois as respostas para julgamento. Quem melhor se apresentasse, a critério de um Juiz escolhido de comum acordo pelas partes, poderia incorporar mais adeptos ao seu respectivo movimento. No ano anterior havia dado empate.
E começaram os questionamentos.
Preferência Musical:
- Tango, Bolero, Conjunto do Elias e Adão Miranda – disseram os arnobianos;
- Amy Winehouse, Atanásio, o Bando de Sandino e Mestre Baptista – responderam os caboclianos.
Viagem:
- Chile, Paris, o Chasqueiro e Herval de tardezinha – largaram os arnobianos;
- As cavernas de Granada, Chapada dos Guimarães, Vênus e Marte, logo ali, passando a porteira dos Muñoz – disseram os segundos.
Ideologia e política:
- Democracia da diversidade – Dr. Ulysses, Jorginho e Mariela, e Leleco – responderam os primeiros;
- Metamorfose Ambulante - Anarco Social Liberal, Che e PT (não yuppe) – disseram os caboclianos.
Siglas:
- OAB, MDB, I.E.E.A.S.C. - disseram uns;
- OVNI, LSD, Genteboa – responderam os outros.
Visitações:
- Biblioteca Pública, Casa de Cultura Mário Quintana, o Louvre – disseram os primeiros;
- Sebos, As Doquinhas e o Bento Freitas – responderam os segundos.
Ao final, perguntados se pretendiam se fazer acompanhar de defensores diante do Juiz, responderam:
- Sobral Pinto e Marta Rocha – os arnobianos;
- O Sérgio Canhada e o Badico – escolheram os caboclianos, acrescentando: - Mas se tiverem problema de amizade íntima com a outra parte, serve o Profeta do Redondo da Praça – garantiram.
E foram todos juntos para a “Rua da Bahia”, esperar a chegada do Basílio, escolhido Juiz de comum acordo. Enquanto aguardavam a decisão, a conversa ia girando sobre literatura, canções eruditas e música de cabaré, vida campeira e extraterrestre, com bebida farta garantida, afinal a cerveja havia ficado por conta do Pedro Bittencourt, não tinha como falhar.
Ah, o resultado? Deu empate, de novo!

SOBRE O ZANOTTAS E O DAMATTA (DE NOVO)





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O que o Arnóbio e o Caboclo têm em comum, e o que têm de diferente além do Fusca branco e do Corsa azul? Quais as (im) prováveis preferências de cada um - na música, na literatura, na política, no esporte...? O que dizem os seus seguidores? O que defendem os Arnobianos e os Caboclianos? Não percam: "O duelo entre o Capão das Pombas e a Figueirinha" - no fim-de-semana aqui no blog e nas páginas do jornal "A Evolução".

terça-feira, 28 de outubro de 2008

"COMEÇO O DIA TRANQUILAMENTE APERTADO EM TEUS PEITOS, PEDINDO CAFÉ E AMOR" (*)















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Hoje - 28/10 - é o aniversário da Verônica.
Hoje ela será o meu dia, por completo.
Com ela eu começo o dia, almoço o dia, entardeço o dia, escureço o dia e embebedo o dia, antes de deitar e comer o dia... por completo!
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(*) De uma canção de Sílvio Rodrigues

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

BAILE DE DEBUTANTES


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Depois de praticamente três décadas vesti novamente um smoking para ir a um Baile de Debutantes.
Fui por uma razão muito simples, a Isabela, o que dispensa qualquer outra justificativa.
Mas fui ao Baile, e entre o modelo da época dos meus pais que ainda remanesce - o smoking, os vestidos brancos, a valsa, o wuisque... - e a interferferência da modernidade - a decoração com banners, a música por DJ, o funk, red bull... - percebi que o tempo realmente não pára, e que, como já diziam e cantavam Tom Jobim e Vinícius de Moares na época do meu penúltimo smoking, beleza e juventude são fundamentais. Em qualquer tempo.