quarta-feira, 29 de abril de 2009

HISTÓRIAS (VI) - FIDEL E A RELIGIÃO X YOANI E A GERAÇÃO Y*


X

"...As extensas terras de meu pai estavam cercadas por grandes latifundiários americanos, três grandes usinas açucareiras, cada qual com milhares de hectares. Uma delas tinha mais de cento e vinte mil hectares e, outra, mais de duzentos mil hectares de terra. Era uma cadeia de usinas açucareiras. Os donos moravam em Nova Iorque e haviam deixado normas muito rígidas para a administração de seus bens. O administrador dispunha de um orçamento e não podia empregar um centavo a mais. Na entressafra, muita gente dirigia-se para onde vivia a minha família. Falavam com meu pai: 'Tenho tal problema, temos fome, necessitamos algo, uma ajuda, um crédito para o armazém'. Habitualmente não trabalhavam ali, mas chegavam pedindo: 'Pecisamos de trabalho, dê-nos trabalho'. As canas mais limpas da República eram as do meu pai, pois ele dava àquele pessoal o trabalho de limpá-las. Não me lembro de alguém ter ido pedir alguma coisa a meu pai, sem que ele procurasse uma solução. Às vezes protestava, resmungava, se queixava, mas sempre demonstrava generosidade. Era uma característica dele. (...) Jamais se apagarão da minha mente as imagens de tantas pessoas humildes, descalças, maltrapilhas e famintas que ali chegavam para conseguir um vale para comprar no armazém. Apesar de tudo, ali era um oásis, comparado com a vida dos trabalhadores dos latifúndios ianques, no período da entressafra".
(FIDEL E A RELIGIÃO - FREI BETTO - Ed. Brasiliense 1985 - pg. 123/124)

"Imagino quando a prosperidade deixará de ser considerada contrarevolucionária. Quando morar no 14ª andar e estar há um ano sem elevador deixará de ser um capricho burguês...".
(YOANI SANCHEZ - autora do blog Generacion Y - www.desdecuba.com/generaciony/)

Fidel Castro é o principal protagonista da revolucão cubana de 1959 que combateu o regime da época; era, por óbvio, declaradamente revolucionário.
Yoani é a principal protagonista do blog generacion y, que cambate o regime cubano atual; não se declara contrarevolucionária.

sábado, 25 de abril de 2009

MANUEL BANDEIRA

Eu era ainda adolescente quando vi pela primeira vez o comercial na TV Gaúcha. Num parque, um jovem premia o corpo de uma menina contra uma árvore, enquanto arriscava alguns versos: “O sol tão claro lá fora, o sol tão claro, e em minh’alma, anoitecendo...”. A menina ruborizava e saia correndo, deslumbrada com a fala do seu “poeta” de fim de tarde. A câmera então fechava, dava um close no rosto do apaixonado, que, sorrindo, agradecia pela “improvisação”: - Obrigado, Manuel Bandeira!
Eu nem lembro se os versos eram bem esses - de Rondó dos Cavalinhos -, acho até que não, mas recordo que foi aquele comercial (de quê, mesmo?) que me levou a conhecer a poesia de Bandeira.
Nascido no Recife, num 19 de abril no Século “retrasado” (1886), Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho, teve uma vida bastante agitada, já que se descobriu tuberculoso muito cedo, com apenas 18 anos de idade. Foi, então, viver com os pais no Rio de Janeiro, em busca de melhores climas para tratar a doença.
Sempre escrevendo poesia, o jovem poeta tentou, mais tarde, morar na Europa, onde ficou menos de um ano – entre a França e a Suíça – até retornar para o Brasil com a eclosão da 1ª Guerra Mundial, em 1914.
Depois de perder a mãe, o pai e irmã, Bandeira acaba conhecendo e se aproximando dos principais agitadores culturais do País, responsáveis pela Semana de Arte Moderna de 22.
A partir de então, publica diversas obras – Poesias e Libertinagem, já na década de 30 – até despontar para a crítica ao ser eleito para a Academia Brasileira de Letras, no ano de 1940.
Poeta, escritor, professor de literatura, político (foi candidato a deputado sem se eleger, pelo Partido Socialista, em 1950), Bandeira atuou ainda como tradutor, em inglês (inclusive de Sheakespeare), em francês e em espanhol, vertendo diversas publicações para o português.
Depois de publicar a sua obra mais popular – Vou me embora pra Pasárgada - já na maturidade, Bandeira torna-se uma referência cultural e quase unanimidade no País, até comemorar 80 anos em grande estilo em 1966, quando recebe muitas homenagens, rodeado por Carlos Drummond de Andrade e Cecília Meireles, entre diversos nomes consagrados da literatura brasileira.
Morto em 13 de outubro de 1968, Bandeira deixou também nos versos de Pasárgada - “E quando eu estiver mais triste/mas triste de não ter jeito/Quando de noite me der/Vontade de me matar/Vou me embora pra Pasárgada/Lá sou amigo do rei/Terei a mulher que quero/Na cama que escolherei...” –, como em toda a sua obra, razões de sobra para a gente continuar sonhando com o reino da poesia, e poder dizer, tal qual o jovem do comercial da tevê: - Obrigado, Manuel Bandeira!

sexta-feira, 17 de abril de 2009

A VARA DO TRABALHO, O 'JÁ TEVE' E OS 'ISMOS'

A discussão provocada pela audiência pública de terça-feira na Câmara de Vereadores – se a Vara do Trabalho fica ou não no Arroio Grande – acabou muito mais direcionada para a questão da autoestima da região (ou da perda desta), do que propriamente para responder os argumentos trazidos pelo Tribunal para transferir o órgão, que dizem respeito ao número de processos que ingressam a cada ano, a dinâmica dos serviços prestados, etc.
Isso, para a população de Arroio Grande e da micro-região envolvida pouco interessa, já que a eventual transferência da Vara não atinge propriamente pessoas – nem patrões e nem empregados (que vão continuar litigando, embora com evidente prejuízo), nem advogados (que irão patrocinar as demandas onde o órgão estiver), nem os funcionários da justiça (que vão permanecer trabalhando) -; mas atinge de verdade a autoestima de toda uma comunidade, e, o que é pior, de uma comunidade sofrida, pobre, que, de tanto perder, já não pode perder mais nada.
Na audiência pública veio a lembrança, através da Madelaine, daquela brincadeira que se faz de que o Arroio Grande é a cidade do “já teve”: já teve Cinema, já teve Caixa Federal, já teve Exatoria Estadual, já teve um monte de coisas, em cujo rol pode ingressar em seguida a Vara do Trabalho.
E esse já teve, ainda que inconscientemente, é uma paulada na nossa autoconfiança, pois a cada vez que perdemos algo parece que atestamos, além da própria pobreza, também a nossa incompetência, a nossa inaptidão para as conquistas e a nossa vocação (?) para o fracasso enquanto coletividade.
Porque somos também a cidade dos ismos, especialmente na sua forma negativa. Não temos associativismo, não damos valor ao cooperativismo, e nos pautamos fundamentalmente pelo individualismo e pelo egoísmo. Dos patrões de estância aos advogados, dos produtores rurais aos médicos, todos costumam atuar individualmente, nada de muito coletivo. Até na benemerência os doadores gostam de agir sozinhos, para que os seus nomes apareçam com destaque nos jornais na hora do agradecimento; aqui, não se costuma dividir nem a solidariedade.
Por tudo isso, surpreendeu o número de pessoas que esteve na Câmara para pedir que a Vara do Trabalho permaneça no Arroio Grande, em nome, fundamentalmente, da autoestima da nossa comunidade.
Se isso realmente ocorrer, isto é se o Tribunal reconsiderar a decisão de retirar a Vara daqui, a gente vai ter muito que comemorar. Não porque a Vara ficou simplesmente, mas porque - talvez por primeira vez -, nós vamos poder olhar para trás e dizer com orgulho que já teve um dia em que a cidade se uniu para não perder algo que não queria perder.
E a partir daí não parar mais. E também não perder mais.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

HISTÓRIAS (V) - O GENERAL SAN MARTIN E OS HABITANTES DO MUNDO

"...San Martin abandona porto e o continente sem sequer pisar o solo da pátria, à qual prestara maiores serviços que qualquer dos seus outros filhos. Tinha então cinquenta anos.
Alguns anos mais tarde, casou a filha com um general argentino e participou do progresso de sua pátria por meio do jovem casal, que não tardou em regressar a Paris, para onde o genro fora nomeado embaixador.
Cinco anos depois do seu primeiro regresso frustrado, negou-se a meter-se numa nova revolução, declarou que preferia o desterro voluntário a essa espécie de liberdade. A um amigo que, tardiamente, lhe reprovava a demissão, respondeu: 'Você ignora por ventura que dos três terços dos habitantes do mundo, dois e meio são de ignorantes e o resto é composto de velhacos com a rara exceção de alguns homens de bem?'
Doze anos depois de morto, inaugurou-se seu monumento em Buenos Aires; dez anos mais tarde, repatriaram suas cinzas".
(BOLÍVAR - Cavaleiro da Glória e da Liberdade - Emil Ludwig - Edição da Livraria do Globo - 1943, pgs. 203-204)

sexta-feira, 10 de abril de 2009

LADO LESTE, LADO OESTE...

O “Tratado de Tordesilhas” proposto pelo Caboclo, onde o Arroio Grande é dividido geograficamente pela BR 116 – de um lado, a várzea, e, do outro, a serra – tem lá a sua sutileza, mas não é nada sem propósito, não é não. Até porque a divisão existe mesmo, sendo que as estirpes da Costa - mais abastadas - acabam tendo maior influência no Município do que as linhagens da Serra, embora isso talvez nada tenha a ver com a diferença estética entre dois tipos - o lavrador da Granja e o peão de Estância -, que é o que, parece, o Caboclo vai explorar no seu filme, eu acho, sei lá.
Mas eu fiquei imaginando um outro tipo de Tratado, não com essa lógica cabocliana, mas mais complicado até, com a cidade se dividindo bem na Dr. Monteiro, ficando com dois lados: o lado leste e o lado oeste do Arroio Grande.
Eu sei que a extensão territorial do lado leste – que vai da sinaleira até a BR – é bem maior do que a do lado oeste – que vai do mesmo ponto até a Silvina Gonçalves, mas, e o arroio Grande onde é que nasce? E a CORSAN, e a CEEE, e a Igreja Matriz, e a Praça Central, e o Gitão, onde é que estão? E o Sindicato Rural e os assentamentos (enfim, próximos?), e o Banco do Brasil, que, afinal, é quem empresta dinheiro para todo mundo por aqui, onde é que ficam?
Não sei não, mas acho que a disputa seria boa, em tudo.
Na política, por exemplo, imaginem a chapa do lado leste - Jorginho-Chorê - contra a chapa do lado oeste Ermínio-Chaleira -, que eleição, hein, já pensaram, que eleição!
E a imprensa da cidade, como ficaria? Do lado oeste, a Rádio Difusora, e os jornais Meridional e A Evolução (enfim, juntos?); do lado leste, a Rádio Studio e o Correio do Sul, todos com seus correspondentes “estrangeiros”, decerto, dando cobertura aos acontecimentos do "outro lado".
Teríamos também a disputa entre colégios – 20 vs. Aimone -, entre churrascos – Eraldo vs. Quixote -, entre os lanches – Geco vs. Maneca -, entre tudo. Disputa de borrachos, disputa de belezas, disputa de chatos... Nossa, não ia ser fácil descobrir que lado tem o maior número de chatos, é parada braba, feia mesmo.
Já no futebol, não tem nem dúvida: caturritas de um lado, sacis do outro e vamos pro jogo; clássico é clássico e viva a rivalidade! Se bem que no carnaval a Promorar e a Grande Arroio teriam que esquecer a dissidência para combater a São Gabriel e a Samba no Pé que se uniriam para... bom, olha o lado leste contra o lado oeste aí, gente!!!
Alguns casos seriam bem interessantes e deveriam gerar muita controvérsia. O Dr. Sérgio Canhada, por exemplo, que mora do lado oeste e tem escritório no lado leste, é lógico que ia reclamar dupla cidadania, e, encrenqueiro do jeito que é, na certa ia querer votar dos dois lados, com direito a recurso, embargos, segunda época, revisão, o diabo...
E o caso do Dr. Paulo Carriconde, então, que atravessa diariamente da casa para o escritório - ambos do lado leste - pela Praça, do lado oeste, fazendo uma espécie de parábola, como é que ficaria? Teria que tirar visto? Pagar pedágio? Carta Verde?
E o Cizico, o Charuto, o Tamanco, todos moradores do lado leste, como fariam para atender a clientela que mantêm no lado oeste? Precisariam de licença especial? Difícil, muito complicado.
Melhor deixar como está, com todo mundo circulando livremente de um lado para o outro, todos com direitos iguais e com uma única cidadania: arroio-grandense. Até porque, com o Sérgio como doble chapa, querendo discutir tratados e convenções à luz do Direito Internacional, a gente ia acabar saindo da Dr. Monteiro direto para a ONU. No mínimo...

terça-feira, 7 de abril de 2009

HISTÓRIAS (IV) - LACONISMO X DELICADEZA

“Havia, em Teheran, na Pérsia, um velho mercador que tinha três filhos. Um dia, o mercador chamou os jovens e disse-lhes: - Aquele que passar o dia sem pronunciar palavras inúteis, receberá de mim o prêmio de vinte e três dinheiros. Ao cair da noite os três filhos foram ter à presença do ancião. Disse o primeiro: - Evitei hoje, meu pai, todas as palavras inúteis. Espero, portanto, merecer, segundo a vossa promessa, o prêmio combinado, prêmio esse de vinte e três dinheiros, conforme deveis estar lembrado. O segundo aproximou-se do velho, beijou-lhe as mãos, e limitou-se a dizer: - Boa noite, meu pai! O mais moço, finalmente, não pronunciou palavra, aproximou-se do velho e estendeu-lhe a mão para receber o prêmio. O mercador, ao observar a atitude dos três rapazes, assim falou: - O primeiro, ao chegar a minha presença, fatigou-me a atenção com várias palavras inúteis; o terceiro mostrou-se exageradamente lacônico. O prêmio caberá, pois, ao segundo, que foi discreto sem verbosidade e simples sem afetação”.
A conclusão de Beremis, o homem que calculava: - O velho mercador agiu com justiça, pois o homem taciturno, excessivamente calado, torna-se desagradável; mas os que falam sem parar irritam ou enfastiam os seus ouvintes. Devemos, pois, evitar as palavras inúteis sem cair no laconismo exagerado, incompatível com a delicadeza...

(O HOMEM QUE CALCULAVA - MALBA TAHAN – Ed. Saraiva - 1949 – pág. 20)

sexta-feira, 3 de abril de 2009

O JUIZ

“A Palhoça” foi um barzinho que fez muito sucesso em Arroio Grande, lá pelo início dos anos 80. Feita de palha Santa Fé, em plena Avenida Visconde de Mauá, a casa tinha aperitivos variados, chope bem gelado e rodas de samba que varavam a madrugada.
Certa ocasião, numa noite quente de verão, eu me encontrava no local com alguns amigos, quando reparamos num desconhecido que já fazia um bom tempo ocupava solitariamente a mesa ao lado.
Tomando cerveja e acompanhando a música com os dedos sobre a mesa, bem vestido e sorridente, o homem sozinho despertava curiosidade no bar completamente lotado.
Lá pelas tantas, um dos meus companheiros dirigiu-se até o desconhecido e perguntou se ele não gostaria de sentar ao nosso lado. Simpático, ele concordou, e juntamos as mesas para receber o nosso convidado.
Conversa vai, conversa vem, descobrimos que se tratava do novo Juiz da cidade, que ficou tranquilamente conversando conosco até altas horas da madrugada.
Depois que o Juiz foi embora, lá pelas três da manhã, nós resolvemos seguir até o Uruguay, para pegar o "fim da noite” no Rojas, um cabaré da Cuchilha, que tinha chinas e linguiça frita até o amanhecer.
No retorno para Arroio Grande, concordamos em dar uma passadinha na Top Set para tomar a saideira servida pelo Nadir. Depois, passamos para o Salão do Eraldo, onde ficamos até o final da manhã, numa beberagem que não acabava nunca.
Meio-dia de sábado, a paróquia toda se movimentando e quatro borrachos fazendo o maior estardalhaço no principal restaurante da cidade. Não demorou muito e alguém percebeu, saindo da livraria do Cláudio Silva, confronte ao Eraldo, o “nosso amigo” da noite anterior, o Doutor Juiz, deixando o local com um jornal debaixo do braço.
Foi então que um dos “guris”, reconhecendo o Doutor Juiz, não resistiu, debruçou-se na janela e prendeu o grito no homem: - “Oh (fulano de tal), vem cá, vem pra cá, tchê!”. O Juiz, surpreso com a “intimação”, ainda cometeu o equívoco de tocar no próprio peito, como quem pergunta: “Eu?”. Ao que o meu amigo respondeu, para espanto maior do interpelado: – “Tu mesmo, oh borracho! Não tas nos reconhecendo? É a turma de ontem, larga o jornal e vem pra cá. A cerveja ta estupidamente gelada...”.
Estúpida, na verdade, foi à expressão, a postura, a confusão. Pra que... Na segunda-feira, todos chamados à presença do novo Juiz que, entre austero e constrangido, passou um pito geral na turma e ainda nos deixou com complexo de culpa ao declarar: - “Já que vocês confundem as coisas, eu não cometerei mais o equívoco de freqüentar bares na cidade”.
E assim foi: nunca mais vimos o homem em qualquer bar, durante o tempo em que ele esteve em Arroio Grande. Uma pena, com certeza, pois era camarada, tinha boa conversa, e, cá para nós, sabia muito bem o que fazer com um copo...

quarta-feira, 1 de abril de 2009

HISTÓRIAS (III) - CRÔNICA FAMILIAR

"Em Assunção do Paraguai, morreu a tia mais querida de Nicolás Escobar.
Morreu serenamente, em casa, enquanto dormia.
Quando soube que perdera a tia, Nicolás tinha 6 anos de idade e milhares de horas de televisão.
E perguntou:
- Quem a matou?"

(DE PERNAS PRO AR – A Escola do Mundo ao Avesso – EDUARDO GALEANO - LPM - 1999 -pág. 112)