domingo, 21 de setembro de 2008

NO MEU TEMPO...


A velha discussão sobre a maneira de como se vive em determinado momento e de como se viveu noutros tempos, e que culmina quase sempre com a afirmação de que - “No meu tempo era melhor!” -, só serve mesmo como retórica de bar, já que acaba comparando coisas incomparáveis, como, por exemplo, a vida da juventude de agora e aquela vivida pelos jovens há vinte ou cinqüenta anos, pois exatamente o tal tempo é capaz de tamanha confusão que torna impossível convencer sobre uma vida “melhor” ou “pior”, ontem ou hoje.
Para os casais de namorados, por exemplo, que só podiam namorar até determinada hora - quando chegava o momento em que cada um tinha que ir pra sua casa, podendo se ver somente no dia seguinte, afora algum eventual pulo de janela na madrugada -, o casamento chegava como algo novo: o momento em que mesmo terminando o dia a separação do casal não viria, ao menos teoricamente, é claro. E isto era bom e era ruim, dependendo do ângulo.
Já os casais de namorados de hoje, na sua grande maioria “dormem junto” desde muito cedo e aí passam o tempo todo lado a lado. Depois, quando decidem “casar” (precisa?), já não tem nada de novo pra oferecer um pro outro, e o casamento chega, assim, sem qualquer surpresa. E isto é bom e é ruim, também dependendo do ângulo.
Antigamente, eu lembro, a gente lia livros. Livros são aqueles objetos com capa e contracapa, com certa quantidade de folhas e alguma história dentro. Os livros possuem forma e cheiro; os livros têm textura e têm alma. E a literatura é, obviamente, uma arte, como o cinema, como a música, a poesia...
Pois hoje os livros perderam lugar para a internet, o cinema perdeu lugar para a televisão, a música perdeu lugar para o MP-5, para o MP-7 (sei lá em que número ‘ta, agora) e a poesia... bom, quanto a poesia a gente vai ter que fazer um cursinho pra lembrar melhor como era.
E de quem é o melhor tempo? De quem levava um mês lendo Sheakespeare, e outro para ler Cervantes; quem via Truffaut num semestre e Goddard no outro; quem escutava no rádio Noel, Pixinguinha, e ouvia a declamação de Neruda, de Drummond por auto-falantes? Ou de quem aperta apenas um botão agora e traz o mundo todo pra dentro de casa em menos de vinte segundos?
De quem é o melhor tempo, afinal? De quem levava meses, anos, para ser apresentado às novidades da “modernidade”, ou de quem está à poucos instantes de poder interferir ele mesmo na criação do novo? Hein, de quem é o melhor tempo?
Pois o melhor tempo, dá pra dizer, é todo o tempo em que se vive, e, como dizia o poeta - “O tempo de viver é toda a vida!”.
Por isso, a quem vive preso ao passado, a quem ainda insiste em parar (n)o tempo; levante, dê corda no relógio (do tempo), dê uma caminhada, vá até a esquina, até o bar, até uma praça; vá a um jogo de futebol, a um comício, a um show de música; faça o seu tempo, pois o melhor tempo ainda é hoje, com certeza é hoje, amigo, é hoje, ao menos até o dia de amanhã chegar...

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

CONSERVADORISMO (A panela de tampa azul)

A mãe da Nazine casou com o pai da Magali em1958, há exatos 50 anos. É bem verdade que quando os dois casaram não eram ainda os pais de nenhuma delas, nem de quem quer fosse. Mas casaram, e quando chegou o casamento o casal ganhou os presentes comuns da época: jogo de lençóis, de toalhas, faqueiros, copos, e um conjunto de panelas, de quatro ou cinco peças.
Pois dessas panelas, todas de tampa azul, eu “roubei” uma da mãe das minhas irmãs; a segunda peça maior do jogo, eu acho.
É nela que eu cozinho todas as quartas-feiras - dia de preparar a crônica para “A Evolução”; noite de futebol na tevê e de ir até tarde na internet. Em meio a tudo isso - e a música e a conversa e o namoro... -, o preparo do jantar na panela de tampa azul.
Enquanto a comida apronta – filé ou alcatra, ou lombo de porco, ou peito de frango desossado, com molho quatro queijos por cima, depois... – eu fico observando a panela que os meus pais ganharam de casamento, e viajo no tempo entre um gole e outro de cabernet.
Quantas histórias refletidas no azul espelhado da tampa, quanta gente esteve próximo daquela panela sem nem mesmo notá-la, primeiro na velha casa da esquina da Praça, e, depois e definitivamente, junto ao número 34 da Rua Júlio de Castilhos.
Os padrinhos de casamento dos meus pais – o Sílvio “Bolinha” Carriconde e a mulher; o Dr. Antônio Siedler, que jogava xadrez com o meu pai; a Maria Caetano, sempre a visita mais esperada; a Carolina, o nosso “anjo” temido pelas injeções; a turma de fora – os Juízes Luís Antônio e Grassi, o Promotor Fausto, o Passinhos e o Jacaré; o pessoal do Regente, de Jaguarão; o Delegado Bosa e os advogados da cidade, quase todos – o Dr. Paulo Carriconde, o Arnóbio, o Sérgio Canhada...; o Camarão, antes de virar Prefeito no Herval; os músicos Basílio Conceição e Gilnei Silveira; os Negãozinhos, de Pelotas; o Avirelis, a Amália, o Julinho Salaberry, e uma geração inteira de boêmios que fizeram da “Rua da Bahia” um lugar marcante do Arroio Grande.
Muitas dessas pessoas já partiram, outras naturalmente envelheceram, e a velha panela permanece ainda em plena atividade, cumprindo com a sua missão de fazer “comida boa”, e com a promessa de total serventia por mais meio século, talvez.
É bem verdade que o azul da tampa já se encontra meio desbotado, sofrendo com o desgaste natural do tempo; mas também pra quem assiste as campanhas políticas de hoje – pálidas, chochas, sem brilho algum... - como exigir mais da velha panela, como pensar em substituí-la sem arriscar comprometer o próprio paladar, como experimentar algo novo sem a certeza de que a gente não vai se arrepender depois?
Pois eu não sei se me acomodei, se virei conservador, ou se o marketing das “novidades” anda muito fraco atualmente, mas a verdade é que, ao menos por agora, eu não vejo a menor necessidade de trocar a panela de tampa azul, não vejo mesmo, de jeito nenhum, não vejo não.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

AS RUAS DA MINHA CIDADE (VI)


Rua Dr. Dionísio de Magalhães
(clique na imagem para ampliar)
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A rua Dr. Dionísio de Magalhães pode ser retratada de vários ângulos: da descida da Corsan, lá em baixo, até a Praça Central, desta em direção onde se dá o que já foi chamado de “Encontro dos Doutores”, ou seja, o cruzamento da Dr. Dionísio com a Dr. Monteiro (esquina da Praça, do antigo Café...), e, daí em diante, sempre seguindo para o leste (como os índios Arachanes, povo que supostamente habitou estas paragens), até a Escolinha Estadual, já lá próximo aos fundos da Cooperativa, que foi o cenário escolhido para ilustrar a foto da rua.
Esta é uma rua marcante na minha infância, pois fiz todo o primário na Escola Dr. Dionísio, onde aprendi a conhecer um pouco do personagem que emprestou o nome ao educandário.
O Dr. Dionísio de Magalhães era natural de Pelotas, parece, tendo cursado a Faculdade de Medicina em Porto Alegre e concluído o curso no Rio de Janeiro.
Depois, como era comum naquela época, veio a clinicar em Arroio Grande, onde casou, em segundo casamento, com D. Dora B. de Almeida, deixando como filha Maria Cláudia Magalhães e diversos netos.
Dionísio de Magalhães foi também político, filiado inicialmente ao PRR (Partido Republicano Riograndense) e, posteriormente, ao PSD, legenda pela qual foi eleito Prefeito da comuna, governando de 1948 até 1951.
A gestão do Dr. Dionísio a frente da Prefeitura foi marcada pelo empenho na solução do problema da água na cidade (até o surgimento da Hidráulica a água era fornecida - vendida em pipas - pelos aguateiros), assim como de melhoramentos na Usina Elétrica Municipal (que fornecia energia para a iluminação do Arroio Grande, sendo substituída pela CEEE mo início dos anos 60) e a pavimentação de algumas vias públicas.
O Dr. Dionísio de Magalhães morreu no ano de 1956, sendo sepultado aqui em Arroio Grande em meio a muitos discursos, como, por exemplo, da Prefeito da cidade à época, o Dr. Lauro Medeiros de Albuquerque.
Existe um busto em sua homenagem na Praça Central, bem em frente à Prefeitura.
A rua Dr. Dionísio tem abrigado diversos estabelecimentos comerciais nos últimos 50 anos; para conhecer melhor a história das casas e dos moradores da Dionísio de Magalhães é obrigatória a leitura das “Cartas/Crônicas” escritas pelo Arnóbio e endereçadas ao João Antônio (Jotagê) na década passada. Espero que se confirme à palavra do Arnóbio de que publicará as tais “Cartas Crônicas” brevemente no seu blog, cujo link de acesso se encontra nesta página.

sábado, 6 de setembro de 2008

NÃO TIREM A CASQUINHA DO CANTO, POR FAVOR

Existem determinados lugares - lancherias, bares, cafés - que costumam servir a torrada ou o sanduíche com as bordas cortadas, sem aquela casquinha que circunda o pão.
Pois eu, sempre que peço esse tipo de lanche, vou logo avisando: - Não tirem a casquinha do canto, por favor. É verdade. Tirar, pra quê? Se faz parte do lanche, se a gente tem direito. Qual a razão de cortar a tal casquinha?
O mesmo acontece como o bauru. Sempre tem quem peça o seu bauru sem algum ingrediente. – Quero o meu sem alface; - O meu sem tomate; - dizem, e vão diminuindo o bauru, que já é um “a la minuta” mutilado, até não dar mais. Já houve quem pedisse o bauru sem o pão, como eu presenciei certa vez, e até sem o filé, numa excentricidade de vegetariano. Quanto desperdício.
Pode até ser um lugar comum, mas a vida só vale a pena se for vivida na sua plenitude, com a maior força possível, com tudo o que a gente tem direito.
Vida é atividade, correria, trabalho, cansaço, reclamação, descanso e recomposição. São os vícios inevitáveis: o jogo, a bebida, o tabaco... Mesmo quem já deixou de fumar não esquece nunca do prazer inigualável do cigarro, depois do cafezinho, depois do chimarrão, depois do sexo.
Vida é intensidade, nas escolhas, no amor, na paixão. A paixão só vale a pena quando carregada, cheia. Relação boa é relação com complicação, com rusga, com rompimento e com recomeço. Tem que ter movimento, agitação, sexo barulhento, inveja dos amigos e reclamação dos vizinhos.
Relação morna é como torrada sem a casquinha do pão, como bauru sem alface, como cachorro-quente sem mostarda. A gente pode até querer comer, mas não vai nunca lamber os beiços.
Eu insisto: se a gente tem direito a tudo, tem que querer tudo. Ética, democracia e liberdade; educação, saúde e trabalho; quadras de esporte pra gurizada jogar, árvores na praça pra juventude namorar e as ruas da cidade limpas pra gente caminhar. Menos que isso é menos que meio pão, menos que a torrada completa.
Agora mesmo, daqui a um mês, vai ter eleição pra Prefeito e pra Vereador, aqui em Arroio Grande e no Brasil inteiro. Pois tem gente que reclama e diz que não vai votar pra vereador. Diz que não vale a pena, que eles não fazem nada, que os candidatos são despreparados, essas coisas...
Pois eu vou votar pra Prefeito, pra Vice, pra Vereador, e, se pudesse, votaria pra mesário, pra presidente de Seção, e até pra Juiz Eleitoral se me deixassem.
Porque o voto também tem que ser pleno, cheio, de ponta a ponta; o voto é o momento culminante da cidadania, ele é definidor e não deveria nunca ser minimizado.
Pensando bem, acho que o voto é mais importante, bem mais importante que a casquinha do canto da torrada, e se nem essa eu desperdiço...
Do meu voto ninguém vai tirar casquinha, não vai não.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

A TORRADA E O VOTO

Qual a relação entre a torrada e o voto?
Será porque o lanche é rápido e a urna eletrônica também?
Ou então porque depois de experimentar um e outro a gente não sabe direito o que virá. Se satisfação ou carência, necessidade de complemento?
Ou será talvez porque certos candidatos já estão há muito tempo meio tostados, chamuscados?
Tem uma explicação (?) pra essa relação na crônica intitulada "Não tirem a casquinha do canto, por favor".
A publicação é neste fim-de-semana, no jornal "A Evolução" e aqui na página. É só esperar.
PS - Para o Carlos Ricardo, o Solismar e outros leitores: espero já na próxima semana retomar o ciclo "As ruas da minha cidade", provisriamente abandonado por absoluta falta de tempo do escriba.
Abraços.