sexta-feira, 14 de agosto de 2009

AUTO-RETRATO*














Aos 30 anos ... - ... Aos 10 anos
Quem disse foi o João Garcia, tempos atrás, numa pequena crônica aqui mesmo na “Evolução”: “enterrem as minhas cinzas sob o salso chorão”. Para quem gosta de Arroio Grande é fácil à identificação. É bom ser “daqui”. Sair e voltar. A minha infância foi feliz jogando bola no “perau”. A primeira calça cumprida que usei foi numa matiné, no Cine Marabá. Eu cresci ali perto e assisti aos festivais que fizeram à fama do Atanásio. O Caboclo falou noutro dia que o Atanásio foi o que de mais cult a cidade já teve. Não sei bem o que é cult, mas sei que o que eu queria mesmo era ser compositor. Tenho mais coragem de escrever do que de dizer o que penso. Isso é timidez ou exibicionismo? Na minha adolescência, as gurias bonitas, a Maria Cláudia e a Sissi, me deixavam bastante envergonhado. Eu tive uma paixão platônica por uma menina de Jaguarão. Gosto de falar sobre o que floresce e sobre o que vira fumaça, pedacinho de papel. Os primeiros cigarros que fumei foram no prédio da Biblioteca Pública, em construção. Lembro do tempo em que os Correios e Telégrafos ficavam abertos até à noitinha. Achava lindo ver o telegrafista mandando mensagens, com seus dígitos codificados. É necessário voar. Em Arroio Grande passou uma vez um enorme Zepellin. É triste morrer no chão. Eu morei junto com o Basílio Conceição e com o Baixinho do Assis e sempre achei o Paulinho do Cabeção maravilhoso. Eu gosto de pessoas decentes. Eu amava a Maria Caetano e gosto demais do Plínio. Não sei se é preciso explicar tudo o que a gente sente. A maior perda cultural do Arroio Grande foi o fim da Top Set. Tenho saudade de conversar política com o Omar Bretanha e de brigar com o Edy do Solano. O Neneco Silveira me ensinou a sonhar e me levou a conhecer o Pacífico. Sinto falta do tempo em que pegava a estrada com o João Garcez em busca de mais sonhos. As mudanças em Arroio Grande viraram simples fantasia, muito menos que pedacinho de papel. Esquerda e Direita, aqui, são tão confusas quanto desimportantes. Nada devolve o tempo que se perdeu. Eu sou um apaixonado pelas ruas da cidade. Houve uma época em que quase trocaram o nome da Dr. Monteiro. O nome mais forte é o da Gumercindo Saraiva. A mulher que eu acho mais interessante mora na Herculano de Freitas. Eu gosto de mulheres interessantes, com seus mistérios e seus perigos. Esta é uma cidade onde quase ninguém se expõe. Não há nada melhor do que beber cerveja ao lado de gente simples. A música do Bar do Xiringa às vezes chega a ser profética. Eu joguei dois clássicos pelo infantil do Arroio Grande. Nunca existiu um jogador como o Ósca por aqui. Sou Promorar e não entendo nada de Carnaval. Eu queria ser mais alegre todos os dias. Queria também ver uma apresentação de Tango em plena Praça Central. Eu amo os meus dois filhos e continuo namorando cada pedra do Arroio Grande. Bem que o Prefeito podia dar um jeito nas ruas da cidade, principalmente onde nem pedras têm. Desejo que o arroio venha bater às portas da minha casa. O meu texto é juvenil demais. Eu quero morrer velhinho, como na receita do Nei: “bebendo vinho e olhando à bunda de alguém”. Espero que as minhas cinzas demorem muito a chegar...
(*) Publicado originalmente no Jornal “A Evolução” em 04 de março de 2006.
Na próxima semana “Autorretrato (que é como se escreve agora) II – O Cântico Negro” – das lembranças amargas.

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