sexta-feira, 4 de setembro de 2009

O FUCA

O meu pai tinha por hábito juntar aquilo que o Camarão resolveu chamar de “a fina flor da bagaceira”, entre borrachos, boêmios, artistas, ou simplesmente arteiros, de todos os tipos.
Desses, uns simplesmente acompanharam o Pedro pela vida a fora, e outros se tornaram Secretários do Escritório, com direito a participar de audiências e tudo o mais, o que valia alguma coisa naquela época.
Pois desse grupo seleto de personagens, das mais diversas categorias, fizeram parte o próprio Camarão, os hoje também advogados Arnóbio e Sérgio Canhada, o Avirelis, o Biriri, o Basílio, o Fedoca, o Gordinho do Clarito, o Zé Paulo “Barbudinho”, entre tantos outros da mais pura cepa, dependendo do ângulo de avaliação, evidentemente.
A turma dos Secretários - excluindo o Zé Marfisa (o único que levava a coisa realmente a sério, no dizer do Pedro) -, sempre foi, na expressão da Dona Candinha, “do que não hay”, e dessa turma veio fazer parte o Lisca; isso mesmo, o Capitão Lisca foi, em determinada época, Secretário do Pedro Bittencourt.
Pois sendo o Lisca Secretário, uma ocasião, no início da década de setenta, coube-lhe acompanhar o Pedro num Júri, na cidade de Herval.
Enquanto o Júri se desenrolava, não se sabe bem porque, o Lisca, depois de ter tomado diversas, resolveu, em pleno meio da tarde, vir no Fusca da minha mãe até o Arroio Grande, o que, dado a sinuosidade da estrada, evidentemente não conseguiu, capotando no caminho.
A título do que o Lisca resolveu vir se questiona até hoje, mas o fato se deu não só com o conhecimento, mas por ordem do próprio Pedro Bittencourt; as razões da “viagem”, porém, ficaram envoltas em mistério.
Contam uns que o Lisca veio buscar cigarros, o Carlton que o Pedro fumava sem parar, e que estaria faltando lá no Herval. Dizem outros que o Lisca teria vindo buscar caixas de cervejas no Anastácio, já que o estoque da pequena Herval também estaria a perigo, mercê do tempo que a “turma do doutor” lá se encontrava - três dias e três noites, sem qualquer trégua aos bares da cidade.
Eu era guri, e sem querer ser maledicente com os que se deslocaram até o Herval, sempre ouvi falar que o Lisca viajou, a mando do Pedro, a fim de buscar umas Chinas no Cabaré da Rosa, para fazer uma espécie de claque (o Júri tratava de um crime passional), ou simplesmente por frege, vá lá a gente saber.
Pois o Lisca, sempre que questionado a respeito, inclusive por mim, não abre nunca o segredo que conserva já há quase quatro décadas, posicionando-se categoricamente: “Oh, Pedrinho, eu realmente capotei o Fuca da Senhora tua mãe numa vinda lá do Herval, mas atrás de Chinas não, que isso é uma falta de consideração com as esposas da época; nego-me solenemente a falar de Chinas!”. E mais não diz, encerrando o assunto assim, sem maiores prolongamentos.
Como se vê, a discrição e a fidelidade de um bom Secretário não têm preço, e, pelo visto, duram a vida inteira. Ou alguém acredita que o Lisca realmente não lembre o que veio fazer no Arroio Grande naquela ocasião? Hein???

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