sexta-feira, 10 de julho de 2009

EM EXTINÇÃO

Foram inúmeras as manifestações que recebi dos leitores por ocasião da crônica “Mocotó de Carroça”, publicada neste espaço. Na sua maioria, adotando o espírito do texto e declarando: “podes incluir o meu nome no roteiro da tele entrega; mocotó de carroça é ótimo!”. Todos, é bem verdade, gente da minha geração, ou com mais de quarenta anos, no mínimo.
É claro que isso tem uma razão, pois a geração do hot-dog, do xis; a turma do fast-food, do buffet a kilo; o pessoal da granola, do grão de bico, jamais vai entender o valor de um bom mocotó, ou o que esse prato representa para nós, herdeiros de uma culinária que veio ainda do século retrasado.
Somos do tempo em que comer bem não era cortar gordura, condimentos ou colesterol; somos de uma época de pratos simples, mas fortes, temperados, carregados de “sustância” e que hoje são raros e beiram ao exótico.
Além do mocotó, somos do tempo também da murcilha, do sarrabulho, do queijo de porco e do pão com torresmo, iguarias quase impossíveis de encontrar hoje em dia, mas que possuíam os seus criadores, os seus especialistas aqui mesmo no Arroio Grande.
O sarrabulho, por exemplo, um típico prato português preparado à base de miúdos, fazia sucesso nas mãos da Maria do Mário, e resta imortalizado na minha lembrança recheando o peru de Natal, ou ao lado de uma galinha ao molho pardo, numa estranha combinação que o meu pai encomendava e que só a Maria do Mário sabia fazer.
Já a murcilha, ao lado da melhor linguiça do Arroio Grande, era feita pelo Negro Gregório, o Seu Gregório, que trazia o produto de carroça lá do Passo do Simão, e tinha entre as suas criações o inigualável queijo de porco que desmanchava na boca de tão macio. Pois o Seu Gregório - de quem eram clientes até desembargadores, que vinham da capital comprar a linguiça que haviam conhecido por aqui -, levou com ele a receita quando morreu, e nunca mais se viu nada igual na cidade, não obstante a qualidade dos demais “linguiçeiros” da região.
O pão com torresmo é, talvez, o único sobrevivente dessa época, e ainda pode ser encontrado em algumas padarias da cidade, embora elaborado de um modo menos artesanal que antigamente – como no tempo da Padaria Santos, do Fioravante, ou da Padaria São Luiz, aquela da “sacadinha”, lá na curva da Cooperativa -, quando o torresmo saltava do pão tamanha era a sua quantidade. E tudo acompanhado por manteiga feita em casa, ou pelas butifarras compradas no Uruguai, numa época em que as fronteiras não representavam qualquer perigo à saúde dos cidadãos.
Queijo de porco, murcilha e sarrabulho; pão com torresmo, manteiga caseira e patê gordo, não recordo de ninguém que tenha morrido, entrado em coma ou adoecido gravemente por consumir tais iguarias, todas hoje abandonadas, raras, inacessíveis. Todas em extinção, como um tempo que, certamente, não nos será jamais devolvido.


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