sexta-feira, 6 de novembro de 2009

O DIA MAIS LOUCO DA MINHA VIDA

O dia mais louco da minha vida começou por volta das nove horas da noite e durou apenas (?) quarenta e cinco minutos. Foi no inverno, numa quarta-feira, dia de futebol na tevê. Eu havia temperado a carne para levar ao forno e me preparava para abrir o vinho - um Cabernet Sauvignon, da Terrasul, de Pinheiro Machado, premiado na França, quem diria... -, quando bateram à porta da casa da Herculano de Freitas. Eu não costumo abrir a porta à noite, nem às quartas-feiras nem em dia nenhum, mas a repetição das batidas acabou me levando até a enorme porta da casa antiga, de onde, afinal, batiam. Abri. Por sobre a calçada, meio curvado, mochila nas costas, cabelo preso por uma bandana colorida, roupa em desalinho, o bruxo Edu Damatta, o Caboclo, disse apenas: Vem! Eu, que embora trafegue eventualmente pelos universos arnobianos e basilísticos, e pelas poesias bittanquianas e de mares e ilhas e flores, e que ainda me esforço pra tentar ser um sujeito normal, perguntei - por perguntar, é óbvio! -, para onde iria e para o quê, já que as proposições caboclianas costumam ser realmente insondáveis. Fiquei, evidentemente, sem resposta, pois o Caboclo apenas repetiu o “vem!”, e eu fui, pois que tinha mesmo que participar dos quarenta e cinco minutos mais loucos da minha vida. Foi tudo numa velocidade estonteante: a ida da Herculano de Freitas até a Gumercindo Saraiva, um estúdio no quarto do produtor Zaqueu Vitrola, um microfone da era do rádio, e o pedido para que eu fizesse, de improviso, uma declamação nerudiana no CD Fruteira Brian Jones, que o Edu Damatta está preparando. Brian Jones, para quem não sabe, é um dos fundadores dos Rolling Stones, guitarrista que morreu logo no início da banda, em 1969, com apenas 27 anos. O nome do CD do Caboclo é uma homenagem a um dos delírios do Basílio, que, uma ocasião, ao ser demitido da Extremo Sul, pegou o dinheiro da rescisão disposto a montar a dita Fruteira Brian Jones – “Uma fruteirinha onde eu vou vender o limão pra caipirinha de vocês, diabos!” – ele dizia, tentando nos convencer do seu futuro como empresário do setor. A fruteira, obviamente, não frutificou, e, assim, a homenagem ao Brian ficou para depois, muito embora o Basílio tenha nos deixado a Janis Joplin, que existe de verdade e tem a alma encantadora como a do pai. Mas, voltando ao meu louco dia, à declamação saiu com uma só passada como exigiu o Caboclo, ainda que fosse sobre versos do Pedro Canga, que eu só tinha lido uma vez na vida, há mais de duas décadas. Sobre o Pedro Canga, aliás, devo falar numa próxima crônica, já que o mito do Herval é muito para poucas linhas e possui uma história merecedora de um livro em todas as suas dimensões. Mas, declamados os versos escritos há mais de 150 anos: -Podem as águas correr/Às avessas do costume/Subir ao mais alto cume/E não poderem descer/Podem os montes gemer/Amar e sentir paixão/Quando trago à coleção/Tudo pode acontecer/Mas deixar de te querer/Não pode o meu coração!... -, o Caboclo ainda me levou para “pagar o cachê”, por ele mesmo estipulado em duas cervejas - da marca Glacial - na venda da Clarinda. Bebemos, e o disco foi para a mixagem, e deverá sair algum dia, não se sabe quando. Bebemos, e eu fui para casa e troquei o vinho por outras cervejas, e tive a certeza de que os dias mais loucos da vida de gente podem ser também os dias mais bonitos da vida da gente, bastando que a gente se deixe levar pelo bem que, afinal, pode estar bem perto da gente...


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