sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A MINHA RUA MAIS BONITA

A minha fixação pelas ruas vem das caminhadas, vem das leituras, vem da imaginação, vem das utopias...
As ruas me dizem tudo, rompem fronteiras e encaminham para o fantástico, para o sobrenatural, formando um desenho às vezes provinciano, às vezes universal.
A rua que percorri em Colônia do Sacramento – a Calle de los Suspiros -; a rua em que silenciei em Paris – a Rue D’Orchampt, que tem a calçada mais estreita do mundo-; a rua que imaginei estar em Aracataca, na Colômbia - a Macondo do 'Cem Anos de Solidão', obra prima de Garcia Márquez; as ruas de tomar sol no Bonfim, cantadas pelo Nei Lisboa; as ruas do Mário Quintana, no Mapa de Porto Alegre: “Olho o mapa da cidade, como quem examinasse a anatomia de um corpo... sinto uma dor infinita das ruas... onde jamais passarei”.
A minha fixação pelas ruas vem da paixão de viver cada lugar, cada rua que percorro (ou que imagino percorrer), por aqui, por ali, pelo mundo todo.
A minha rua preferida, porém, fica aqui mesmo no Arroio Grande. Entre a Basílio Conceição e a Dr. Dionísio, entre o início lá próximo ao Balneário da Ponte e o fim perto da Cooperativa; a antiga Gal. Delphim, a extinta Dr. Menandro - a Herculano de Freitas é a minha rua mais bonita.
Ali, na Herculano de Freitas, está uma dos trechos que compõe o casario mais interessante do Arroio Grande. Começa pela Igreja Matriz; depois, tomando o rumo leste, a partir da Praça Central, após percorrer a calçada da antiga Câmara de Vereadores, de frente para o Clube Instrução e Recreio; depois de passar pela Casa Gaúcha, do Vadi Salameni e a antiga Exatoria; depois de ultrapassar o Casarão dos Lisboa, diante do que foi o Restaurante Formigueiro; pois bem ali, no número 377, em frente à Chinininha, antes de chegar ao antigo Banco da Província, está a casa em que vivo hoje, dentro da minha rua mais bonita.
É uma casa antiga, de pé direito alto, com paredes dobradas, e o pátio que é um latifúndio. Por esse pátio, é possível escutar o assovio dos pássaros, o latir dos cachorros, é possível enxergar coqueiros, é possível vislumbrar o arroio; por esse pátio é possível espiar a cidade e o mundo, e as estrelas e a lua também.
A Casa e o pátio começam na Herculano de Freitas, atravessam todo o quarteirão e vão muito além da rua seguinte - a Basílio Conceição.
Possuem um corredor que, além de mim, ninguém mais conhece e que me permite atravessar fronteiras e florestas, e mares e desertos, e conhecer lugares e pessoas – e entre elas escritores e músicos e pintores e poetas e bêbados e vagabundos... - e percorrer todas as outras ruas do mundo em segundos, e ir e voltar quando quiser.
Duvidam, não acreditam? Pois, se querem saber de verdade, agora, agorinha mesmo, está um frio danado cá em Lisboa...


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