sábado, 17 de outubro de 2009

O QUE A GENTE É!

“A gente não é o que diz que é ou que pretende ser; a gente é o que faz. Ou deixa de fazer.” A frase, assim com esse formato, é do Luís Fernando Veríssimo, embora seja meio recorrente, com inúmeras variações.
A expressão, na verdade, quer chamar a atenção para o fato de que todo o ser humano possui tendência a proclamar as suas qualidades e pretensões, deixando de reconhecer os seus defeitos e fracassos.
Assim, todo mundo se auto-proclama “bom”, “correto” e “virtuoso”; - “Eu sou uma pessoa maravilhosa!” - é o que gente costuma ouvir, para ficar no mínimo.
Pessoalizando a questão, todo político jura que trabalha para o povo; todo centroavante se considera um fenômeno de gols; os maridos se acham bons maridos, as mulheres se dizem boas esposas, todo jovem se acha capaz de transformar o mundo (inclusive os que vivem em “estado de contemplação” o tempo todo), todo velho diz que já deu a sua contribuição (inclusive os que viveram em “estado de contemplação” o tempo todo), e a vida segue.
O tema é espinhoso, até porque a falta de noção do que realmente somos (o que fazemos ou deixamos de fazer), vem do instinto de defesa, já que uma autocrítica mais rigorosa praticamente implicaria num juízo de condenação de nós mesmos.
Por isso, o político desonesto costuma acobertar a desonestidade nas suas possíveis ações de benemerência (“eu ajudo um monte de gente”), o centroavante que perde o gol feito atribui a falha à falta de sorte (“levei azar”), o marido que agride a mulher justifica a violência por uma provocação (“ela me tirou do sério”), a mulher que vive de incomodar o marido desculpa o seu comportamento pela inconsistência da relação (“ele me deixa insegura”), e a vida segue.
Na realidade, pensamos que essas atitudes – desonestidade, mediocridade, agressividade, possessividade... - só aparecem como defeito “nos outros”, sendo praticamente irrelevantes quando partem de nós mesmos. Consideramos, de verdade, que as nossas “pequenas” infâmias não têm o poder de nos diminuir, já que a condição de definir quem somos é somente nossa (“tu não me conheces, eu sou uma pessoa maravilhosa!”) e de mais ninguém. Tudo em nós se justifica, nos outros, não.
Aliás, quando alguém nos atinge emitindo o julgamento daquilo que supostamente somos, a nossa primeira reação, pela auto defesa, é a de desqualificar o julgador (“quem ele pensa que é?!”), pois - segundo o que pensamos -, ninguém tem a menor condição de nos dizer quem somos.
E assim seguimos andando, dia a dia, mês a mês, ano a ano, repetindo os mesmos erros e reiterando na nossa sordidez, já que o nosso cérebro se acostumou a aceitar somente aquilo que pensamos que somos (o que gostaríamos de ser), excluindo todo o resto.
Quanto ao que verdadeiramente fazemos ou deixamos de fazer melhor mesmo nem pensar, definitivamente.

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