quinta-feira, 13 de março de 2008

AUTO RETRATO (2007)

Quem disse foi o João Garcia, tempos atrás, numa pequena crônica aqui mesmo na “Evolução”: “enterrem as minhas cinzas sob o salso chorão”. Pra quem gosta de Arroio Grande é fácil à identificação. É bom ser “daqui”. Sair e voltar. A minha infância foi feliz jogando bola no “perau”. A primeira calça cumprida que usei foi numa matiné, no Cine Marabá. Eu cresci ali perto e assisti aos festivais que fizeram à fama do Atanásio. O Caboclo falou noutro dia que o Atanásio foi o que de mais cult a cidade já teve. Não sei bem o que é cult, mas sei que o que eu queria mesmo era ser compositor. Tenho mais coragem de escrever do que de dizer o que penso. Isso é timidez ou exibicionismo? Na minha adolescência, as gurias bonitas, a Maria Cláudia e a Sissi, me deixavam bastante envergonhado. Eu tive uma paixão platônica por uma menina de Jaguarão. Gosto de falar sobre o que floresce e sobre o que vira fumaça, pedacinho de papel. Os primeiros cigarros que fumei foram no prédio da Biblioteca Pública, em construção. Lembro do tempo em que os Correios e Telégrafos ficavam abertos até à noitinha. Achava lindo ver o telegrafista mandando mensagens, com seus dígitos codificados. É necessário voar. Em Arroio Grande passou uma vez um enorme Zepellin. É triste morrer no chão. Eu morei junto com o Basílio Conceição e com o Baixinho do Assis e sempre achei o Paulinho do Cabeção maravilhoso. Eu gosto de pessoas decentes. Eu amava a Maria Caetano e gosto demais do Plínio. Não sei se é preciso explicar tudo o que a gente sente. A maior perda cultural do Arroio Grande foi o fim da Top Set. Tenho saudade de conversar política com o Omar Bretanha e de brigar com o Edy do Solano. O Neneco Silveira me ensinou a sonhar e me levou a conhecer o Pacífico. Sinto falta do tempo em que pegava a estrada com o João Garcez em busca de mais sonhos. As mudanças em Arroio Grande viraram simples fantasia, muito menos que pedacinho de papel. Esquerda e Direita, aqui, são tão confusas quanto desimportantes. Nada devolve o tempo que se perdeu. Eu sou um apaixonado pelas ruas da cidade. Houve uma época em que quase trocaram o nome da Dr. Monteiro. O nome mais forte é o da Gumercindo Saraiva. A mulher que eu acho mais interessante mora na Herculano de Freitas. Eu gosto de mulheres interessantes, com seus mistérios e seus perigos. Esta é uma cidade onde quase ninguém se expõe. Não há nada melhor do que beber cerveja ao lado de gente simples. A música do Bar do Xiringa às vezes chega a ser profética. Eu joguei dois clássicos pelo infantil do Arroio Grande. Nunca existiu um jogador como o Osca por aqui. Sou Promorar e não entendo nada de Carnaval. Eu queria ser mais alegre todos os dias. Queria também ver uma apresentação de Tango em plena Praça Central. Eu amo os meus dois filhos e continuo namorando cada pedra do Arroio Grande. Bem que o Prefeito podia dar um jeito nas ruas da cidade, principalmente onde nem pedras têm. Desejo que o arroio venha bater às portas da minha casa. O meu texto é juvenil demais. Eu quero morrer velhinho, como na receita do Nei: “bebendo vinho e olhando à bunda de alguém”. Espero que as minhas cinzas demorem muito a chegar...

Um comentário:

Anônimo disse...

PJ, ler os teus textos, as tuas crônicas são um presente especial à alma.
Por sorte, hj tive tempo de abrir meus emails e receber de presente da Vê o teu novo blog.
Amei, estou me deliciando com a prazerosa leitura que sempre acrescenta, faz sonhar, transporta ao passado...
O auto-retrato também me trouxe lágrimas, e olha que pensei em chorar relendo o Pedro.
O auto-retrato me trouxe saudade, mais saudade de Arroio Grande, das ruas, da sinaleira, do arroio, da praça, do Bar do Xiras, do Xiras, da Maria Caetano, do Sérgio Canhada, do Basílio, do Plínio, da dona Candinha (citada em outro), da Nairzinha, do seu Vanderlei, da Josina... Enfim, acho que me trouxe uma melancolia boa, como aliás é bom lembrar dos lugares e das pessoas a quem se ama.
Obrigada por tornar o domingo mais feliz!!
Eu te amo...