sexta-feira, 14 de março de 2008

CEM ANOS (2007)


Em 1987, de passagem pelo Rio de Janeiro, resolvemos - o Neneco Silveira, o Birinha do Gita, o Kiko e eu - ir ao show “Francisco”, estréia do Chico Buarque, no Canecão, Centro do Rio.
Um pouco antes de iniciar o espetáculo, folheando o folder de apresentação das músicas no saguão da Casa, eu fiquei meio sozinho, sem os amigos de Arroio Grande por perto. De repente, conversando ao meu lado, dois personagens bem conhecidos: ela, uma musa da bossa nova, a cantora Nara Leão; ele, uma lenda viva do Brasil, o arquiteto Oscar Niemeyer.
Eu fiquei parado, admirando aqueles ícones da cultura do País. Tomei coragem e me aproximei. Cumprimentei a Nara, pedi licença e espichei a mão para aquele cidadão à época com 80 anos de idade. – “Senhor Niemeyer, é uma honra poder apertar a mão de um homem como o Senhor!” – foi só o que consegui dizer, espichando o braço em direção ao arquiteto mais famoso do Brasil. - “Que é isso, meu filho, o prazer é todo meu” – ele disse, também estendendo a mão e abrindo um sorriso amistoso e franco, como só os grandes podem distribuir a um simples desconhecido.
Trocamos meia dúzia de palavras, em especial sobre o Partido Comunista, uma paixão que nos unia à época, sem evidentemente qualquer comparação entre a minha pobre militância e a contribuição inigualável do Niemeyer à causa dos vermelhos.
Pois nesse dia 15 de dezembro de 2007, Oscar de Niemeyer completa cem anos de existência. Cem anos de lucidez, de honradez, de uma integridade como poucos neste país.
Cem anos do homem que, há poucos dias, perguntado sobre o sentido da vida, definiu tudo em uma única palavra: - “Vida é Solidariedade!” - disse, utilizando-se de uma expressão de grandeza irretorquível.
Pois cem anos é quase todo o tempo de existência de um Arroio Grande. Cem anos remonta à época do nascimento dos personagens do João Félix Soares no livro “O Cigarro ensangüentado e outros contos”, atual atração da nossa Feira do Livro. Cem anos é o tempo que levaram gerações inteiras pra construir fortuna – no Chasqueiro, nas Bretanhas, na Costa... – para tudo ir embora rapidinho, pela inutilidade de alguns, pouco tempo depois.
Cem anos é mais do que viveram muitos velhos que eu amei, como a Dona Candinha, pessoa maravilhosa, cartomante fajuta das Três Marias, paixão da minha infância. Cem anos é o que teria o meu avó Guadil, pai do meu pai, estes que já me deixaram a algum tempo, pensando no que fazer da vida sem eles, pensando numa vida que não dura nem perto de cem anos pra quase ninguém.
Pois para Oscar Niemeyer tomara que dure ainda mais. Para o cidadão que um dia eu tive o prazer de cumprimentar, e que se encontrasse novamente agora – vinte anos depois – diria repetitivamente: - “É uma honra poder apertar a mão de um homem como o Senhor!”
E ficaria, como fiquei, com a marca desse aperto de mão na minha alma, no mínimo por mais cem anos, por um tempo inestimável, definitivamente...

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