domingo, 10 de maio de 2020

PRAZO


Ele era assim, meio abobado, tonto, um pateta. Nunca sabia em que ano estava, tampouco que idade tinha. Se atrapalhava, fazia confusão com tudo. Agora, estava numa sala de aula e pediram que elaborasse uma redação. Tema: Dia das Mães. Ele escreveu: “O Dia das Mães é o dia mais longo do mundo!”. Assim mesmo, com ponto de exclamação. Redigiu desse jeito e entregou o trabalho. A professora leu e pediu que ele explicasse o que quis dizer ao escrever daquela maneira, com ponto de exclamação e tudo. Ele justificou: – Ué, eu acho que esse é o mais longo dos dias porque ele não tem início nem fim. Afinal, como pode existir somente um dia para a gente comemorar ao lado da pessoa mais importante do mundo, se haverá o dia em que a pessoa mais importante do mundo não estará mais do nosso lado para comemorarmos o dia junto com ela? Daí, nesse caso, o dia vai deixar de existir? (Ele era assim, meio tonto, já se disse…). A professora contestou falando que não, que o dia continuaria existindo. E que, ademais, a gente deveria se conformar, pois quando as pessoas partem é porque já cumpriram a sua missão por aqui. Então ele perguntou para a professora se ela não achava que era pouco o tempo que davam para as mães cumprirem a tal missão por aqui. Ela respondeu dizendo que a gente não podia julgar, que para “essas coisas” não existe prazo. Ele insistiu: – Mas mãe não é bondade, não é concessão, não é generosidade, não é doação? Mãe não é santidade? Não é tudo de bom que a gente pode ter? A professora concordou que sim. Então – ele resolveu comparar – se a escravidão, que é uma coisa monstruosa, durou trezentos anos no Brasil, se o bloqueio dos Estados Unidos à Cuba, que é uma coisa nojenta, já dura mais de cinquenta anos, se a ditadura militar, que foi uma coisa horrorosa, durou trinta e cinco anos, se os professores do Rio Grande do Sul estão recebendo o salário atrasado há quase cinco anos, o que é uma indignidade, se o Corona vírus não tem prazo para ir embora, se até o Bolsonaro… – Que é que fez o Bolsonaro? – a professora aparteou. – Nada – ele disse – que eu saiba não está fazendo nada… – falou, com a cabeça cheia de números… Cento e cinquenta mil infectados, dez mil mortos, churrasco fake para trinta… Foi quando a professora, querendo terminar aquela conversa, interrompeu: – Então, já que pensas assim, quanto tempo tu entendes que as mães deveriam permanecer conosco? Ele resolveu responder com outra pergunta (era atrapalhado, meio pateta, já foi dito): – Quanto tempo a senhora acha que vai durar o que há de pior no mundo, que é a estupidez humana? A professora fez uma pausa, pensou e respondeu: – Eu considero que ela é infinita, penso que vai existir para sempre – disse. – Pois então eu acho que as mães, que são o que há de melhor no mundo, deveriam durar um pouco mais do que isso – ele encerrou. Depois, ainda falou um “Feliz Dia das Mães” para a professora e saiu da sala de aula sem nem esperar pela nota da redação…

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