sábado, 23 de maio de 2020

CÉLIA

51, Black House Road, Huddersfield, HD2-1 Ap, England... No dia 23 de maio de 1990, há exatos trinta anos, eu estava desembarcando no aeroporto de Lisboa, em Portugal, para viver uma aventura que atravessou alguns meses. Dessa viagem, feita com inacreditáveis mil dólares no bolso, eu poderia contar dezenas, talvez centenas de histórias. Mas aventuras e viagens são muito pessoais, e, via de regra, se revelam desinteressantes para quem não as viveu. Prefiro contar, então, sobre esse endereço que aparece aí em cima. É que lá, em Huddersfield, uma cidade de porte médio, ao norte da Inglaterra, morava uma colega minha da época do Ginásio (o atual Instituto Aimone). Uma amiga da mocidade, a Célia, filha do Erothildes Moraes, o popular Agapito, e da Dona Amélia, que residiram durante anos no Arroio Grande. Pois quando soube que eu iria para a Europa, o Agapito, amigo e cliente do meu pai, me repassou o endereço da filha, na Inglaterra. Por absoluta falta de dinheiro, eu não fui a Huddersfield, visitar a Célia, que era uma colega muito querida, minha e de toda a turma do colégio, nos primeiros tempos da nossa adolescência. Tínhamos doze, treze anos, e éramos amigos, todos, e nos gostávamos como se gostam os bons amigos. E pensávamos que nos encontraríamos pela vida toda e que o nosso futuro seria tão divertido como era o teatrinho que fazíamos na escola… Naquele verão da Europa, de 1990, por absoluta falta de dinheiro – eu já disse – eu não pude ir a Huddersfield, e acabei voltando para o Brasil quase ao final do nosso inverno. A Célia ficou um período por lá e, tempos depois, eu a encontrei, por acaso, em Pelotas, onde conversamos sobre a minha “não ida” até a Inglaterra. Brincamos e nos despedimos. Foi a última vez que eu vi a minha amiga. Soube, mais tarde, que uma doença traiçoeira havia retirado a Célia precocemente do nosso convívio. Desde então, nunca mais as brincadeiras da Célia, nunca mais a sorriso da Célia, nem planos profissionais, nem viagens, nem nada... Huddersfield nunca mais... Também eu nunca mais retornei à Europa, para repetir aquela viagem sobre a qual eu teria dezenas, talvez centenas, de histórias para contar… Mas o que eu trago para agora, para estes dias de angústia que todos nós estamos vivendo, com uma vontade enorme de abraçar as pessoas queridas, é que se me fosse possível mexer no tempo, eu pegaria a minha velha agenda de 1990, destacaria um endereço – 51, Black House Road, Huddersfield, HD2-1 Ap, England – e, lá chegando, entraria a passo na casa da cidade localizada quase na fronteira com a Escócia. Só para abraçar uma amiga adorável. Porque nós, os agora velhos colegas de adolescência, sempre soubemos, todos, que na empatia da Célia, na queridice da Célia, no seu enlevo, caberiam todos os abraços contidos do mundo...

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