sábado, 16 de maio de 2020

CUSTO

Chegou em casa à noitinha. Irritada. Quarenta e cinco anos de idade, casada, sem filhos. Formada na universidade, mas sem exercer qualquer ofício. Os imóveis do casal, havidos por herança, garantiam um ótimo padrão de vida. Na sala, encontrou com o marido. Sentado, vendo tevê, como sempre. Nas paredes e nas estantes, pôsteres e quadros. Num deles, a imagem preferida do homem. Ele em cima de uma cabine dupla, segurando um relho, numa manifestação política, em Bagé, no ano de 2018. A reprodução favorita dela estava do outro lado. Fazendo compras no Woodbury Common Premium, em Nova York. Agarrada a um Dior Absolutely, comprado por merreca. No ano em que o PIB do Brasil teve o maior crescimento do século, 7,5%, em 2010. Mas agora estava visivelmente atacada. Largou a embalagem sobre a mesa e avisou o marido: – São máscaras. Para mim e para ti, vamos ter que colocar a partir de hoje. – Mas e o livre arbítrio? E a democracia? – ele questionou. – Não adianta – ela disse – perdemos. Está todo mundo usando. Essa gentalha… Eu até já tive que vestir, hoje, para descer do carro na cabeleireira… – Mas era só o que faltava – ele falou – por causa de uma gripezinha. Onde vamos parar? – Mas no churrasco dos Siqueira Silveira Soares, hoje à noite, nós não vamos precisar usar isso daí? – questionou. – Claro que não, né, lá é gente como a gente – ela respondeu – com aquele sorriso superior que aprendera a exibir com gente como ela… – Então tá – ele disse – termina de te arrumar que nós já vamos. E na caminhonete zero quatro, apesar que a gasolina segue cara – complementou, evidenciando a mania de chamar os carros por números… Do outro lado da sala, Dona Maria, a empregada, deu boa noite para os patrões, colocou a segunda máscara do dia, vestiu touca e luvas, e saiu para enfrentar o frio no costumeiro retorno para casa. Dentro do transporte coletivo, a caminho do bairro, Maria lembrou, não sabe direito porquê, mas lembrou, de uma frase dita por Leonel Brizola, há muitos anos, quando foi perguntado se não achava caro o sistema de educação de tempo integral que ele pregava para o Brasil. – "Cara mesmo é a ignorância!". – foi como respondeu o líder trabalhista, no seu inconfundível estilo… Na chegada, enquanto se despedia do motorista e do cobrador, ambos enfronhados em panos que deixavam somente os olhos de fora, a Dona Maria, com aquele sorriso que ninguém lhe ensinara, não parava de repetir a expressão: – “Cara mesmo é a ignorância”. Que engraçado! O doutor Brizola se saía com cada uma… Imagina se lhe tivessem perguntado sobre o custo da estupidez?

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