Chegou
em casa à noitinha. Irritada. Quarenta e cinco anos de idade,
casada, sem filhos. Formada na universidade, mas sem exercer qualquer
ofício. Os imóveis do casal, havidos por herança, garantiam um
ótimo padrão de vida. Na sala, encontrou com o marido. Sentado,
vendo tevê, como sempre. Nas paredes e nas estantes, pôsteres e
quadros. Num deles, a imagem preferida do homem. Ele em cima de uma
cabine dupla, segurando um relho, numa manifestação política, em
Bagé, no ano de 2018. A reprodução favorita dela estava do outro
lado. Fazendo compras no Woodbury Common Premium, em Nova York.
Agarrada a um Dior Absolutely, comprado por merreca. No ano em que o
PIB do Brasil teve o maior crescimento do século, 7,5%, em 2010. Mas
agora estava visivelmente atacada. Largou a embalagem sobre a mesa e
avisou o marido: – São máscaras. Para mim e para ti, vamos ter
que colocar a partir de hoje. – Mas e o livre arbítrio? E
a
democracia? – ele questionou. – Não adianta – ela disse –
perdemos. Está todo mundo usando. Essa gentalha… Eu até já tive
que vestir, hoje, para descer do carro na cabeleireira… – Mas era
só o que faltava – ele falou – por causa de uma gripezinha. Onde
vamos
parar?
– Mas no churrasco dos Siqueira Silveira Soares, hoje à noite, nós
não vamos precisar usar isso daí? – questionou. – Claro que
não, né, lá é gente como a gente – ela respondeu – com aquele
sorriso superior que aprendera a exibir
com gente como ela… – Então tá – ele disse – termina de te
arrumar que nós já vamos. E na caminhonete zero quatro, apesar que
a gasolina segue cara – complementou, evidenciando a mania de
chamar os carros por números… Do outro lado da sala, Dona Maria, a
empregada, deu boa noite para os patrões, colocou a segunda máscara
do dia, vestiu touca e luvas, e saiu para enfrentar o frio no
costumeiro retorno para casa. Dentro do transporte coletivo, a
caminho do bairro, Maria lembrou, não sabe direito porquê, mas
lembrou, de uma frase dita por Leonel Brizola, há muitos anos,
quando foi perguntado se não achava caro o sistema de educação de
tempo integral que ele pregava para o Brasil. – "Cara mesmo é
a ignorância!". – foi como respondeu o líder trabalhista, no
seu inconfundível estilo… Na chegada, enquanto se despedia do
motorista e do cobrador, ambos enfronhados em panos que deixavam
somente os olhos de fora, a Dona Maria, com aquele sorriso que
ninguém lhe ensinara, não parava de repetir a expressão: – “Cara
mesmo é a ignorância”. Que engraçado! O doutor Brizola se saía
com cada uma… Imagina se lhe tivessem perguntado sobre o custo da
estupidez?
sábado, 16 de maio de 2020
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