...Daí eu olhei pra o Julinho Salaberry e disse a frase que eu ‘tava realmente pensando, a frase que me veio à cabeça, e que eu tinha que dizer pra ele: - Ah, ele são mais bonitos do que nós. São generosos, são solidários, e, por isso mesmo, são muito mais bonitos do que nós. O Julinho, rabugento como ele só, obviamente não concordou; ao contrário, meneava a cabeça num “não” contrariado, um não de não querer, um não de não mesmo, e pronto. Então, eu pensei - tenho que apelar. E passei a usar um argumento mais sentimental, na verdade uma chantagenzinha barata, emprenhada de sofisma, como a ocasião exigia. Eu disse, simplesmente: - Julinho, quando nós tínhamos a idade deles, pra nós não tinha a menor importância àqueles velhos que pensavam que sabiam alguma coisa. Nós éramos pretensiosos e preconceituosos, coisa que parece que eles não são agora. O que importa pra eles é a alegria, é a arte, que faz com que aceitem a ti, a mim, ao Donga... Daí, o Julinho olhou para a companheira dele, puxou um sorriso bonito dos olhos claros, e fez que sim, mesmo sem concordar fez que sim, meio que aceitando aquela retórica como possível. E eu estava me referindo, é claro, a uma nova geração que o Arroio Grande ‘ta produzindo agora: tem a Marcela, tem o João Vicente, tem a Marília, e têm outros que eu mal conheço como o Vítor, o Hélio, o Maurício, a Lucélia, os gêmeos, e outros, e outros. Pois na minha época eu não sei se tinha gente assim. É claro que tinha outros caras, tinha outras gurias, muita gente que se apresentou pra fazer alguma coisa pela cidade. E a gente lia “On The Road”, do Kerouac, e a gente via Godard, e a gente recitava Neruda, e a gente ouvia Raul (e nem precisava dizer: “toca Raul!”); a gente fazia tanta coisa que não dá nem pra dizer o que a gente fazia. Só que a gente tinha problemas, muitos problemas, problemas demais. Enquanto essa nova geração faz da arte uma forma de manifestação solidária, uma forma de alegria compartilhada, a gente sempre quis usar a arte como uma forma de poder, com uma pretensão de “status”, querendo aparecer, por vaidade mesmo. Nós éramos pretensiosos e preconceituosos. A gente se achava os “donos do mundo”, a gente não sentava com velho, a gente segregava. Aquela geração nunca procurou, por exemplo, o Dr. Aimone, que era um cara que podia contar toda a história do Arroio Grande, essa mesma história que a gente ‘ta tentando resgatar agora. A gente “usou” o Nenê Balhego (que feio!), a gente não deu importância pro Paulo, a gente não entendeu o Pedro, e mesmo o Basílio só virou o que virou porque morreu tragicamente, já que a cidade da gente também não dava bola por ele. Pois essa gurizada que ‘ta aí, e que participou junto com o Caboclo – guru de todas as gerações - da festa do aniversário do Peninha – As lavadeiras do Mato Grande -, parece mesmo que é diferente. E mais bonita do que nós. E eu digo isso agora sem sofismar, sem precisar convencer o Julinho ou quem quer que seja; eu digo isso porque quero acreditar nisso: quero crer que essa geração vai fazer mais e melhor do que a gente. E tomara que seja mesmo assim, pois somente eles, agora, é que podem transformar esta cidade, da forma como a gente queria, mas não conseguiu fazer. Simplesmente porque não soube como fazer.
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4 comentários:
Concordo plenamente com este post amigo Juninho. Esta geração tem algo que a nossa não tinha: ranço ideológico. Eles aceitam a todos sem qualquer pré-requisito, independente da cor política, futebolistica, sexual, etc, etc, etc. Por isso e pelo que eles tem mais de bonito que é a vontade de beber das experiências dos outros é que farão muito mais por Arroio Grande do que nós não fizemos, não soubemos ou não quisessemos fazer, sempre preocupados com nosso próprio umbigo. Realmente, fiquei um pouco amargo lendo este post, talvez seja dor de consciência por nada ter feito e deixado o tempo simplesmente passar. Nossa cidade realmente merecia mais um pouco de nosso esforço.
Olá Juninho! este post é para retificar o anterior. Quando falei que a nova geração tem algo que não tinhamos, quis dizer que eles não tem algo que nós tinhamos de sobra: ranço ideológico. Aqui entendido como aquela pretensão de que só nossas idéias e conceitos sobre tudo é que estava certo. Olhavamos somente para nosso umbigo, ignorando tudo o mais, especialmente daqueles que tinham mais experiência e que nos poderiam ensinar os caminhos certos. Espero ter me feito entender, agora.
Carlos.
Ranço ideológico, presunção, preconceito, são reveladores de uma (de)formação comportamental que acometes pessoas, grupos ou gerações inteiras.
No texto, quando falo "nós", ou a 'nossa geração', não me refiro propriamente aos da nossa turma, ou aos da nossa idade, nem mesmo aos da nossa época.
Falo simplesmente de um conjunto de gerações que, recebendo o mundo pronto (não importa se bom ou ruim, mas pronto) de uma geração anterior, não soube trasmiti-lo melhor a quem vinha depois, um pouco por se comportar de forma pretensiosa, preconceituosa e eivada de ranço(s) ideológico(s).
Que essa "nova" geração (ou esse conjunto de pessoas a que me refiro no texto), que me parece menos rançosa, menos preconceituosa e com a pretensão de ver a arte primeiro como forma de compartilhar a alegria (e é isso que mais me chama a atenção 'neles'), possa fazer no pequeno universo da nossa cidade as transformações que não conseguimos fazer, ou porque não soubemos ou porque sequer tentamos fazer.
Abraço.
PS - assim que der pretendo retomar o projeto "As ruas da minha cidade", em homenagem também as generosas palavras do colega sobre aquele espaço.
Perfeito Juninho, mas é que acusei o golpe, vesti o chapéu e fiz um mea culpa, exatamente por concordar com teu escrito, me inserindo nas conclusões do post. Um abraço deste colega e não deixa de retomar o projeto "As ruas da minha cidade". Aproveito para sugerir a "rua" que vai da ponte Carlos Barbosa até a ponte do arroio Simão, tambem tão cheia de história e de personagens inesquecíveis.
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