sábado, 5 de novembro de 2011

OBRIGATÓRIOS




Neste fim de semana acontece o Expocanto, uma oportunidade de apreciar boa música junto ao evento que é parte integrante da tradicional Exposição Feira de Arroio Grande. Eu não irei. “Por causa de umas questões paralelas” (como diria Chico Buarque), deverei ficar em casa, daí já aproveito para ouvir os meus discos preferidos dos artistas locais: o Milonga Mauá, do Sidney Bretanha e o Fruteira Brian Jones, do Caboclo Damatta.
São duas grandes obras musicais que, por razões distintas, preenchem as minhas madrugadas de solidão e de abandono intelectual neste triste fim dos pampas.
São dois trabalhos raros, surpreendentes, sem o menor conteúdo comercial, mas que contêm canções antológicas, como Milonga pro meu povoado e a própria Milonga Mauá, no primeiro, e a versão de Y Hard days night e o texto “Os latifúndios marcianos”, no segundo, que poderiam estar tranquilamente rodando em qualquer Rádio da cidade ou da região. Possuem, ainda, as extraordinárias participações de músicos como o Pardal Moura e o Miguel Vidal (no Milonga Mauá), e da Marcela Rodrigues e do próprio Sidney, no Fruteira Brian Jones.
O Fruteira é uma homenagem do Caboclo ao Basílio, o “louco” que virou ícone, e que tinha as suas canções desprezadas pela sociedade local, as mesmas que hoje aparecem em releituras a todo instante.
Já o Milonga Mauá é, na verdade, um imenso mosaico que desnuda todo o Arroio Grande – de Mauá à Morocha, de Gumercindo Saraiva a Adolfina –; um disco agressivo, mordaz, cáustico, como, aliás, é característico do seu criador.
São discos libertários, mas que deveriam ser obrigatórios – como diz o título desta crônica – por uma simples razão. Mostram um outro Arroio Grande que não o do “Poder”, nem o das colunas sociais, a cidade que não aparece nos discursos fáceis e nem nos clicks noturnos dos nossos jornais. É o Arroio Grande dos párias, dos desvalidos, dos bêbados e das putas pobres; o Arroio Grande do gentio, a cidade sem qualquer glamour, o Arroio Grande sem trilhos, a cidade dos becos e das vielas escuras, e da Dr. Monteiro vazia nas frias noites do sul.
O Caboclo e o Sidney, diga-se de passagem, são músicos da melhor estirpe e, certamente, estão ao lado de “monstros sagrados” da vida musical da cidade, como o Nenê Balhego e o Biriri, por exemplo. Paradoxalmente (ou não), são dois personagens bastante controvertidos na paróquia que, de alguma forma, os rejeita, assim como renegou tantos artistas e intelectuais ao longo da sua história.
Do Marta Rocha ao Pedro Bittencourt, de Leonel Fagundes ao próprio Basílio, nunca as cabeças pensantes da cidade foram bem digeridas pelo medíocre padrão de comportamento da conservadora sociedade local.
Nisso, só o Arroio Grande é que permanece perdendo, nesse eterno conflito que deve ter começado bem antes de Mauá, antes da primeira milonga e da primeira fruteira, e que, pelo jeito, não vai terminar nem no Caboclo e nem no Sidney. Pelo jeito, aliás, não vai terminar nunca.

2 comentários:

Carlos Ricardo Souza disse...

E aí Pedro, descobri que tinhas reabilitado o blog ao ler tua coluna na A Evolução, primeiramente quero brindar teu retorno, ficando certo que voltarei a ser leitor assiduo e, se me permitires darei meus "pitacos" na área de comentários. Quanto ao artigo outro dia conversando com alguns amigos aí da Terrinha falávamos exatamente do conservadorismo quanto aos músicos e artistas que se destacam, muitos deles "bloqueados" em sua criatividade por comentários vários, inclusive maldosos. Creio que tua coluna pode iniciar um movimento contra este tipo de coisas, para isso tens o meu apoio.

Pedro Jaime Bittencourt Junior disse...

Fica a vontade, Carlos, os “pitacos” serão sempre benvindos. Mais que “comentarista”, tu, como os demais leitores, são verdadeiramente construtores deste blog e é por vocês que a página sobrevive.
Acerca do que propões, porém, duvido muito que eu possa criar, ou liderar qualquer movimento em defesa dos artistas contra o reacionarismo local, haja vista que também os meus textos vivem sob o eterno julgamento da conservadora sociedade de Arroio Grande.
Nunca me esqueço do apedrejamento que sofri quando, há mais de 10 anos, publiquei um artigo criticando 'le fetê bourgeoise' que foi o ato de inauguração do nosso Centro de Cultura (não a “criação” do Casa, que fique bem entendido), quando deixaram de convidar inúmeros artistas locais para o evento que se transformou num “desfile de pavões e peruas”, como escrevi à época, sendo maior ainda a decepção por tal postura partir de um governo que nos trazia a esperança da transformação em diversas setores - inclusive na Cultura e na própria relação com a arte e com os artistas locais -, o que, convenhamos, não chegou nem perto de se concretizar.
Até porque, acredito, o problema acerca dessa questão não está somente na ação governamental, mas, acima e sobretudo, na relação poder/sociedade/submissão ("confundir para dividir, dividir para dominar", como escreve o Caboclo) X artista/criatividade/independência, pelo que, admito, estou cansado demais para “lutar” contra esses padrões de comportamento, típicos de uma sociedade que vive de aplaudir o lugar comum, e de apedrejar e maldizer o que sequer compreende, como é o caso do tratamento que dispensa a inúmeros artistas da terra, entre eles os citados no texto.
Deixemos, pois, os movimentos para os ativistas (eles ainda existem, não?), e, como bem diz o Arnóbio, fiquemos com as nossas bobagens e simplorices enquanto ainda nos o permitido ao menos o simples prazer de escrever; também para mim, confesso, assim já está bom demais.
Abraço.