Entre
os pecados que a gente comete ao longo da vida, existem alguns
impublicáveis e outros que podem ser revelados aos poucos, como um
pequeno furto, por exemplo.
O
furto, todos sabem, é crime previsto no Código Penal – artigo 155
– com prescrição em quatro anos. Pois eu cometi um furto, um
crime praticado há quase quatro décadas, quando furtei um banco de madeira do Bar
do Bibico.
É
um banco estilo “mocho”, com uma pintura em azul e preto, hoje já
evidentemente desbotada, como somente eu posso declarar, pois que
guardo a prova do meu crime intacta, no original, ao longo de quase quarenta anos.
O
banco foi furtado, obviamente, pelo seu valor sentimental, já que
foi retirado num impulso do Bar do Bibico, lugar onde eu passei
inesquecíveis momentos da minha mocidade.
O
Bar do Bibico, para quem não sabe, ficava na esquina da Rua Zeca
Maciel com a Francisco de Paula Alves, e funcionava todas as
madrugadas, com a cerveja bem gelada, uma clientela bastante eclética
e a melhor música da cidade. Durou mais
de 25 anos, de
1980
até 1997, se não estou enganado.
Sujeito
quieto, tranquilo, extremamente gentil, Aldírio Jerônimo Freitas, o
Bibico – também um ex-centroavante de mão-cheia – possuía (e
ainda possui, pelo que sei) um apurado gosto musical, e era no seu
Bar, e somente nele em todo o Arroio Grande, que a gente podia
escutar Vinícius de Moraes, Tom Jobim, Caetano Veloso, Chico Buarque
e músicos alternativos como Taiguara, Jorge Mautner ou Jards Macalé.
No
lugar acanhado – uma pequena peça de esquina – a gente podia ouvir os discos em vinil do Bibico e outros que os clientes
levavam. A regra era ficar em pé, encostado no balcão, mas dava
também para sentar numa das poucas cadeiras da única mesinha do
Bar. Alternativamente, havia dois ou três bancos que ficavam
próximos à porta de entrada. E foi um desses bancos que eu furtei.
No
banco do Bar do Bibico sentei eu, sentou o Donga, sentou o Nadir, que
sempre que saía da Top Set passava por lá para tomar uma saideira.
No banco do Bar do Bibico sentou o João Bimbim, sentou o Marca
Diabo, sentou o Pajá, um preto velho, de nome Osmar dos Santos
Cardoso, que me deixou a eterna frustração de jamais tê-lo
convencido a conhecer o mar, negando-se a viajar comigo para a Praia
do Hermenegildo.
No
banco do Bar do Bibico sentou o meu irmãozinho Tuíca, e sentaram
outros irmãos que fiz, como o Basílio, o Lila, o Plínio... No
banco do Bar do Bibico sentaram grandes músicos e artistas locais, e
algumas gurias da nossa sociedade que, não raro, se “extraviavam”
dos próprios namorados pelo prazer de dar uma fugidinha e beber uma
gelada às escondidas no “cult-noir” que era o Bar do Bibico.
Pois
esse banco eu não queria perder, assim como não quero perder da
memória o tempo que passei por lá, pelo Bar do Bibico, um lugar que
trouxe para mim inúmeros ensinamentos que somente a vida é capaz de
proporcionar.
Porque
o Bar do Bibico me deixou a lição suprema de que um furto pode
revelar bem mais do que a simples ilegalidade; um furto pode conter
afeto, carinho e ternura, sentimentos que, ao contrário do crime,
são imorredouros e não prescrevem jamais...
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