terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

MANICÔMIO, QUARTO SETE

(I)
Manicômio, quarto sete,
Última porta, à direita
No fundo do corredor...
Uma janela gradeada
E a cama desarranjada
Com roupas sujas no chão;
Em todo o resto, mais nada...
...
Um homem chamado João,
Ou Antônio ou Gumercindo,
Ou Valentim ou Adão,
Ou Pedro, Luís, Gracindo,
Ou Abel, ou qualquer nome,
Tem ares de um homem livre
Um jeito de alguém feliz
No quarto sete do hospício...
...
Mas Gumercindo ou Adão,
Ou Paulo ou José Maria,
Ou que nome esse homem tenha,
Esse homem não tem nada
Do que os outros homens têm.
Não tem casa, nem família,
Não tem emprego ou salário,
Não tem mulher, não tem filha,
Nem amigos, nem vizinhos,
Nem nada de extraordinário...
...
Por incrível que pareça
Esse homem tem somente
Os ares de quem é gente
E traz luz no coração...
O doido do quarto sete
Dizem que por ser doido
Só por isso, unicamente,
Perdeu o rumo da estrada,
Um lugar na sociedade,
O cumprimento dos outros
Perdeu o respeito alheio,
Perdeu o nome que tinha,
Só não perdeu a razão,
Nem o sonho, nem a vida,
Nem o amor que o levou
Ao quarto sete do hospício...
(II)
Lá fora do manicômio
Passam homens que revelam
As bocas tontas de sono
Os olhos cheios de fome...
Os homens que andam na rua
Têm ares de prisioneiros,
Têm um silêncio que espanta
Têm um jeito de abandono
Têm solidão na garganta
...
Têm problemas, têm dinheiro,
Têm propriedades, têm carros,
Têm emprego, têm salário,
Têm credores, projeção,
Têm doenças e incertezas,
Têm perguntas sem respostas,
Têm angústias e tristezas,
Têm mágoas, inimizades,
E o coração apertado,
Sem ternura nem amor...
...
Lá na rua há gente adulta
Homens sérios, circunspectos;
Lá fora sob bons tetos
Estão os grandes doutores,
Que não atendem doentes
Sem receber a consulta...
Lá fora há advogados
Corretos, compenetrados
Que provam por A mais B
Que ladrões e assassinos
São pessoas inocentes
São uns ótimos meninos...
...
Lá fora só estão os certos
Que sem razão nem porquê
Falam muito da moral;
Indicam a linha reta,
Detestam o diferente
Renegam a novidade
E endeusam o que é normal...
(III)
Lá fora estão militares
Ganhando altos salários
Para prender e matar;
Lá fora estão professores
Que ganham uma miséria
Pelo ato de ensinar ;
Lá fora vive quem cobra
Até mesmo para amar;
Lá fora pessoas morrem
Por não terem o que dar...
...
Lá fora vivem os ricos,
Os patrões, os dirigentes,
Os proprietários da terra
Os que julgam que não erram
Quanto mais vivem a errar...
Lá fora estão exigentes
Credores que simplesmente
Viveram a vida inteira,
À custa da quem precisa...
Lá fora os exploradores,
Deixam todos satisfeitos...
Quem suga o trabalho alheio
É aplaudido, respeitado
E quase sempre é escolhido
Para mandar nos demais...
Em verdade, quem não vê?
Que eles são muito mais loucos
Que o louco do quarto sete...
...
No manicômio, entretanto,
No quarto sete, à direita
No fundo do corredor
Um louco vive sozinho
Com suas lembranças de amor...
Um louco que adora flores
E está longe dos jardins...
Um louco que de repente
Descobre que o mal da gente
É não ter loucura alguma...
(IV)
Um louco que não se exalta
E sabe que infelizmente
Não há o bem longe do mal...
Um louco que sempre soube
Que na vida nada muda
Tudo sempre é sempre igual...
Um louco que compreendeu,
O que ensinam outros loucos
Como Jesus, como Buda,
Como quem passou a vida,
Falando em amor e paz...
...
Manicômio, quarto sete,
No fundo do corredor,
Última porta, à direita,
Uma janela gradeada,
E a cama desarranjada,
Com as roupas sujas no chão...
Lá dentro um louco sozinho,
Um louco que justamente
Por estar longe do mundo,
Por não precisar de nada,
Por não ter inveja alguma,
Nem guardar qualquer rancor,
Por não ter nada a perder
E viver melhor que eu
É um louco que me diz tudo,
Sem jamais ter dito...
...
Manicômio, quarto sete,
Última porta, à direita,
No fundo do corredor,
Uma janela gradeada,
E a cama desarranjada,
Com roupas sujas no chão...
Lá dentro um louco sozinho
Ilumina a solidão,
E em todo o resto, mais nada...
...
(Pedro Jaime Bittencourt)
Praia do Hermenegildo


3 comentários:

Anônimo disse...

Nobre Juninho;
Talvez aqui não seja o melhor lugar para declarar meu “descontendamento”, porém é um lugar democrático, de pessoas inteligentes e de longo alcance. Observo o asfalto dominado às ruas de paralelepípedo de Arroio Grande. Isso não é a eficiência técnica de uso do solo urbano. Explico por que!!! Água da chuva ao chegar ao solo precisa necessariamente infiltrar no solo ou uma grande parcela do seu volume. Com o asfalto sobre o solo, boa parcela de água ficará a mercê da declividade do terreno e ganhara a força cinética para se movimentar-se, formando o que chamamos de enxurradas e se depositando em lugares de menor altitude (baixão). Não me vem dizer que existe canalização. Até pode existir. Porém subdimensionado e às vezes entupido de lixo. Quantas vezes eu vi os homens da prefeitura limpando as bocas de lobo e a canalização sempre entupida nos dias de chuva. Leve engano as pessoas pensar que a rua de paralelepípedo não infiltra água. Infiltra mais que terra batida. Desafio os irmãos de Arroio Grande a fazer uma pesquisa na internet. Entrarem no Google e digitar paralelepípedo e infiltração de água. Irão colher as informações para julgar o asfalto da nossa cidade. Caso queira um respaldo cientifico ler o artigo do professor Araújo do Laboratório de Drenagem da Universidade Federal de Santa Catarina titulado “Avaliação da eficiência dos pavimentos permeáveis na redução de escoamento superficial.” Caro amigo, estamos no século XXI não podemos cometer os erros dos nossos antepassados. Desenvolver-se é antes de mais nada identificar e evitar os erros do passado. Isso aqui é apenas meu ponto de vista. Obrigado por ter lido.

Ângelo Flaviano Gonçalves Lisboa disse...

Sr. Solismar...

Mas o manicômio, assim, fica mais bonito!
Que importa que alague e molhe tudo?
Se há palmeiras, carnaval e petiço...

Pedro Jaime Bittencourt Junior disse...

Solismar e Ângelo.
De longe, estando em viagem, acesso a página e comemoro a participação de vocês.
O blog é, sim, espaço para manifestação - livre, plural, democrática... - de todos os pensamentos, inclusive os que dizem respeito ao asfalto, e as palmeiras, e ao carnaval, e a todos os bichos que existem por aqui e por aí.
O manicômio é isso: um pequeno quarto sete ocupado por alguém julgado louco pela sociedade, e um imenso vazio na volta, cheio de pessoas ditas normais que "pensam" que asfalto é progresso (aliás, julgam que é; em Pelotas, o dito asfalto decidiu uma eleição), e que o carnaval é a única forma de manifestação cultural possível, juntamente (no nosso Sul) com as comemorações de uma "revolução" perdida, com os seus heróis duvidosos e os seus interesses obscuros.
O manicômio é isso, e somos nós, agora e frequentemente dando palpites sobre o que não temos muito claro, quase sempre.
O manicômio é isso, mas só por isso sobrevivemos a ele, que, realmente, fica mais bonito assim.
Apareçam sempre.