O PADEIRO ASSASSINO
(ou O FILHO "ILUSTRE" QUE NINGUÉM QUIS)
Há
exatos cento e dois anos, no dia 8 de setembro de 1915, uma
quarta-feira, por volta das 16h30min, o senador gaúcho José Gomes
Pinheiro Machado, o homem mais poderoso da história da República,
que havia recém ingressado no saguão principal do Hotel dos
Estrangeiros, no Centro do Rio de Janeiro, foi apunhalado pelas
costas por um padeiro desempregado, um homem do povo, um “Zé
ninguém”, vindo a falecer logo em seguida, em razão do profundo
sangramento decorrente do ferimento que sofrera na região do
abdomen.
Sobre
a vida e a morte de Pinheiro Machado – advogado, general e senador
– muito já se escreveu, sendo desnecessário reproduzir aqui a sua
trajetória, pois trata-se, talvez, do mais poderoso político da
história do Brasil, especialmente no período republicano.
Mas,
e o seu assassino? O homem que matou o Senador, o padeiro
desempregado, apontado como desertor do Exército e desequilibrado
mental; o que se sabe dele até hoje, decorridos 102 anos do
assassinato de Pinheiro Machado?
Francisco
Manço de Paiva, ou Francisco Manço Paiva Coimbra, contava 32 ou 331
anos por ocasião do assassinato e teria morrido próximo aos 80 anos
de idade, após cumprir 20 dos 30 anos de prisão a que fora
condenado pela morte do Senador, até ser indultado pelo Presidente
Getúlio Vargas em 1935. Em 1957, vivia como aposentado do Instituto
Brasileiro do Café, aos 73 anos de idade,2
tendo falecido no final dos anos 1960.
Mas
o detalhe que cerca a figura do assassino confesso de Pinheiro
Machado, é que, segundo contou o seu pai – Francisco de Paiva
Coimbra – por ocasião do julgamento3
do filho, este teria nascido em Arroio Grande, RS, em 1884, em
contradição ao que dissera o próprio Manço de Paiva quando do
exame que verificou a sua sanidade mental, ocorrido dois meses antes
da realização da sessão do júri, sendo que o réu garantiu ser
natural da vizinha cidade de Jaguarão, onde nascera “em 1889 ou
1890” (?).
Ao
que se sabe, Arroio Grande e Jaguarão nunca “brigaram” pela
paternidade de Paiva Coimbra, afinal, como bem disse o escritor
pelotense Mário Osório Magalhães em artigo publicado no Jornal
Diário Popular, ainda que valesse a pena desfazer a dúvida (...)
“tenho certeza que faria murchar um pouco o bairrismo sadio que
se vê reflorescer a cada dia, de forma constante e crescente, no
coração dos prezados habitantes de Arroio Grande e Jaguarão.”4
Mas
que fica a curiosidade fica, cabendo também uma provocação aos
investigadores da história oficial de ambas as cidades5
para responder a pergunta pela qual até hoje ninguém demonstrou
muito interesse: afinal, Francisco Manço de Paiva Coimbra, o
“padeiro assassino”, é “patrimônio” de quem? Da Cidade
Simpatia (Arroio Grande) ou da Cidade Heróica (Jaguarão),
ou, quem sabe, de nenhuma delas6?
Com
a palavra, os especialistas: alguém se habilita a proclamar a
paternidade desse filho “ilustre”?
1
- Revista “Aventuras na História”, janeiro de 2016.
2
- Jornal “A Noite” (RJ), edição de 9 de julho de 1957.
3
- Notas do Júri. O julgamento rendeu um filme, concluído em 1917,
com o título de O julgamento de Manso Paiva: o assassino do
General Pinheiro Machado. O documentário foi exibido no Cine
Central, em São Paulo, em 27/07/1917. Nos catálogos de cinema
aparece hoje como filme “desaparecido”.
4
- Artigo publicado no Jornal Diário Popular, Pelotas, RS, edição
de 19.06.2005.
5
- Em Arroio Grande, o Grupo Defensores do Patrimônio
Histórico e Cultural já se ocupou parcialmente do tema,
quando da publicação de uma fotografia sobre a missa em homenagem
à morte de Pinheiro Machado na Cidade.
6
- Existe ainda a notícia de que Manço Paiva seria natural de
Cacimbinhas, antigo nome de Pinheiro Machado, e que o pai do
assassino teria criado a versão de que o filho teria nascido no Arroio Grande para a família poder permanecer morando naquela cidade (Pinheiro Machado).
Imagens: 1ª) Manço Paiva e Pinheiro Machado;
2ª) O assassino e o local do crime: o Hotel dos Estrangeiros
(Revista Aventuras na História)
3ª) A assinatura de Manço de Paiva
4ª) A recepção do Hotel, onde Manço Paiva aguardou para apunhalar Pinheiro Machado
(Fotografia: Rio Then)
5ª) A notícia do assassinato - Revista
da Semana, Ed. 31 de setembro de 1915
6ª) A entrevista do assassino - 42 anos depois - Jornal A Noite, RJ, julho de 1957
ADENDO*:
"(…) Sempre guardado á vista, o assassino Francisco Manso de Paiva Coimbra, passou a noite calmo, dormindo algumas horas, recusando, entretanto, qualquer alimentação, a não ser café. Tem o aspecto abatido, pronunciadas olheiras e a barba mais crescida. Veste ainda o mesmo terno escuro com que foi preso e se deixa photographar sem a menor reluctancia.
O maior temor que o criminoso manifesta é o que lhe poderá acontecer na Casa de Detenção, para onde não deseja ir. Sabe que o director desse presidio era amigo particular do general Pinheiro Machado, e se arreceia de ser maltratado ali. Isso mesmo já o criminoso hontem expandia ao dr. chefe de pollicia, quando interrogado.
Na delegacia do 6o districto, quando, ás 11 horas da manhã de hoje estava sendo identificado, um dos nossos companheiros logrou falar ao criminoso.
Apezar de se mostrar calmo, Francisco Manso de Paiva Coimbra ao assignar as fichas tinha a mão tremula.
Interrogando-o, disse-nos o assassino que as suas declarações são as de seu depoimento, já publicado em todos os jornaes em que affirmou estar satisfeito em haver cumprido um voto de que ha muito fizera.
Disse-nos ter pae e mãe vivos, no Rio Grande do Sul, de onde é filho; seu pae é Francisco de Paiva Coimbra, portuguez e padeiro, e sua mãe D. Maria de Jesus, natural do Rio Grande. Seu parente é apenas sua irmã Conceição, tambem no Rio Grande, não tendo aqui no Rio senão ligeiros conhecimentos.
Perguntando-lhe si havia já sido preso alguma vez, mesmo com o nome de João Dias Regis, respondeu-nos que nunca fora preso e se trocou de nome foi por ter desertado do Exercito.
Dentre outras declarações prestadas, quer á policia, quer á imprensa, o assassino disse não ser habito seu frequentar "meetings" nem reuniões politicas, apenas tendo ido ao ultimo realisado nesta capital, que diziam ser contra o general Pinheiro. Fôra este o único "meeting" a que compareceu. (...)"
(Jornal “A Notícia”, Rio de Janeiro, Ed. de 9 de setembro de 1915).
*O autor optou por preservar o português da época.
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