A
“COMPRA DE SUBSTITUTOS”
Muito
se diz que a Guerra do Paraguai (1864–1870) foi “uma guerra de
pobres e de escravos”, já que do lado brasileiro1
o recrutamento compulsório de despossuídos e de ex-cativos libertos
foi bastante significativo em comparação ao número de homens
brancos livremente alistados.
O
que ainda se comenta com um certo constrangimento, sempre do lado
brasileiro, é que muitos dos escravos foram encaminhados para a
guerra de uma maneira bastante embaraçosa à classe branca
dominante, pois vigorava na época a chamada “compra de
substitutos”, isto é, a possibilidade de se comprar escravos e de
enviá-los para lutar no lugar dos seus proprietários, ou em
substituição aos filhos destes.
Funcionava
mais ou menos assim: o comando do exército imperial entrava em
contato com os chefes políticos regionais, estes dirigiam-se às
autoridades locais, levantavam dados e informações, e recrutavam
jovens para lutar na guerra. Os pais dos jovens que possuíam
escravos tinham direito de trocar os seus filhos alistados pelos
cativos e os que não tinham escravos podiam comprá-los. Proposta a
troca, a mesma era realizada, e os escravos iam para a guerra lutar e
morrer no lugar dos brancos recrutados, ou, mais remotamente, para
retornarem livres, se e quando retornassem.
Pois
consta que no Arroio Grande “entre os dias 19 de agosto e 1º de
setembro de 1865, nove (9) escravos ganharam a liberdade, todos eles
para servirem como substitutos dos seus senhores ou dos filhos deles
no Exército, durante a Guerra do Paraguai. A história registra
apenas os seus prenomes, Protázio, Aleixo, Antônio, Jacinto,
Marcelino (o mais velho, com 36 anos), José, Vicente, Luciano e
Cipriano; nada mais sabemos deles, se sobreviveram, ou se morreram
lutando por uma pátria ingrata, pois deles a história oficial não
se preocupa”2.
Pois
hoje, 152 anos depois, mesmo com todos os recursos da internet e com
as inúmeras fontes e instrumentos de pesquisa disponíveis, ainda
nada se sabe do destino desses substitutos, sendo que os
substituídos acabaram em muitos casos virando nome de rua,
denominação de praça, tornando-se doutores, proprietários de
terras, ricos patrões, ampliando com isso o predomínio das classes
brancas dominantes através dos séculos.
Sem
pretender entrar na discussão rasa acerca da postura de quem,
podendo, não mandaria outro para lutar (e morrer) na guerra no lugar
de um filho seu ou de si próprio, verdade é que, historicamente, a
questão permanece carecendo de um maior aprofundamento, e, no caso
do Arroio Grande, impõe ao menos duas indagações: 1ª) o que
realmente aconteceu3
com os escravos do Arroio Grande enviados para lutar na Guerra do
Paraguai como substitutos dos filhos dos seus senhores? 2º) quem
foram exatamente os substituídos?
Com
a palavra, os especialistas.
.
1 - Do lado paraguaio sequer é possível fazer qualquer estimativa, já que entre 1866 e 1867 toda a população masculina entre dez (sic) e 60 anos teria sido recrutada (cfe. a historiadora Milda Rivarola – La polemica francesa sobre la guerra grande, Editorial Histórica, 1988).
.
1 - Do lado paraguaio sequer é possível fazer qualquer estimativa, já que entre 1866 e 1867 toda a população masculina entre dez (sic) e 60 anos teria sido recrutada (cfe. a historiadora Milda Rivarola – La polemica francesa sobre la guerra grande, Editorial Histórica, 1988).
2
- O Dr. Sérgio Canhada já se ocupou do tema em excelente artigo
intitulado Os sem genealogia, publicado em “um site do
Uruguay” e no “Blog do Canhada”, neste último em data de
27.10.2013. As declarações do Sérgio acima transcritas foram
prestadas originalmente para o Jornal “A Evolução”, edição
de 23.03.2007, em matéria produzida pelo autor deste texto.
3
- Flávio Basílio Silveira, o “Camões”, afirma que o seu
trisavô, Angelino Pereira das Neves, enviou para a Guerra do
Paraguai, para lutar em seu lugar, o escravo Manoel Velho,
que teria retornado, finda a guerra, trazendo uma lança de combate
que permaneceu na propriedade dos seus “senhores” durante
décadas.
Na
imagem do alto, um comerciante compra e liberta um escravo enviando-o para a
Guerra do Paraguai. Tal gesto era visto então como patriótico,
pois segundo a lógica vigente contribuía para a diminuição do
número de escravos e o aumento dos soldados.
(Revista Semana Ilustrada, 11 de novembro de 1866).
(Revista Semana Ilustrada, 11 de novembro de 1866).
Abaixo, algumas das diversas etnias africanas escravizadas e trazidas para o Brasil no período da colonização - Congo, Benguela, Mina, Rebollo, Cabinda e Quinoa, todas citadas na canção Zumbi, de Jorge Benjor (1974), referência obrigatória sobre o tema nas aulas de história do período.
Imagens captadas pelo autor deste texto junto aos corredores de um hotel do Rio de Janeiro.
Imagens captadas pelo autor deste texto junto aos corredores de um hotel do Rio de Janeiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário