sábado, 29 de dezembro de 2012

NÓS QUE AMÁVAMOS A REVOLUÇÃO

Eu nasci no fim do primeiro ano do início da década das revoluções. Do século passado, naturalmente. Nasci antes dos movimentos de 68 e depois da “movida” mexicana – Frida Kahlo, Diego Rivera e Trotsky, e a aproximação de Che e Fidel, os protagonistas da revolução cubana de 59.
A criança que eu fui foi, como tantas, vitimada pelo golpismo de 64 e atingida, via reflexa, pelos efeitos do AI-5 de 68. De forma imediata fomos, todos, presa fácil do ufanismo patriótico do “Brasil Ame-o ou deixe-o” dos anos 1970. “As praias do Brasil ensolaradas lálálálá...” – Dom e Ravel – e as irmãs Amarilho hasteando a bandeira toda a semana na Escola Dr. Dionísio da Magalhães, na periferia pobre do Arroio Grande.
Em contrapartida, pude conhecer a geração hippie dos anos 70, o resultado do Woodstook americano de 69 – a combinação explosiva de JJJ – Janis Joplin, Joan Baez e Jimy Hendrix –, sexo, drogas e rock an roll, e as consequências do Vietnã de Keneddy e Nixon, e de Kruschev e Ho Chi Min. Make love not war, dê carona ao mochileiro... slogans em profusão, uma ideia na cabeça e uma câmera na mão.
Resultado: a Guerra Fria, a guerra suja... Brasil, 1964, Uruguay, 1973, Chile, 1973, Argentina, 1976... nós, feridos por uma sucessão de golpes, amávamos a revolução, e ganhamos as ruas nas décadas de 70 e 80 para reivindicar, para cobrar, para exigir: democracia, liberdade e justiça.
Ganhamos. Mas perdemos a revolução. Ela, se acaso veio, não ficou. Passou. Pelo País inteiro, pelo Estado e pelo Arroio Grande. Deve ter se dirigido para os confins da América, voado sobre as geleiras da Patagônia e vai ver que se atrapalhou lá pelas curvas do Cabo Horn antes de aterrissar n'algum lugar do Atlântico ou do Pacífico. Onde? Terra do Fogo ardente!?! Ushuaia libre?!? Punta Arenas free?!? Aonde foi parar a nossa revolução???
A revolução foi embora e nós deixou órfãos de sonhos e de anfetaminas.
De lá para cá uma ressaca só, única. Geração coca-cola, geração celular, geração pc, notebook, tablet, ipod, chip no cérebro; geração pqp.
Eu nasci num fim de ano, como agora. E perdi.
Perdi para o consumo, perdi para a falta de sonhos, perdi para a desesperança, perdi para mim mesmo, perdi.
Feliz fim de ano então, meu velho, mais um ano passado, perdido entre os sonhos da juventude, as fantasias da velhice e a revolução que (nós amávamos) e que não veio até nós.
Ao final, resta apenas receber a nossa sentença – irreparável, definitiva, sem direito a qualquer recurso... – da lavra de um JB qualquer e amparada nos princípios editoriais da Folha, da Rede Globo e da Veja: – Feliz ano novo, cidadão, afinal o senhor acaba de negociar apenas mais um ano da sua vida! 
A crédito e em suaves prestações, naturalmente. 

domingo, 23 de dezembro de 2012

CRONIQUETA PARA O APANHADOR

 
Vi “O apanhador no campo de centeio” na mesa de cabeceira do quarto do meu filho. Ele está tentando ler o clássico de J. D. Salinger. Assim como tentou ler também “On the Road”, do Kerouac, e “Hells Angel's”, do Hunther Thompson. Antes, eu já havia me deparado com a “Metamorfose”, do Kafka, entre as coisas do guri. São boas escolhas, é certo, e não se pode negar que ele – recém chegado aos 18 anos – está buscando, tentando... Mas é difícil. Dos citados aí em cima, “O apanhador” é a história de um jovem de 16 anos nos EUA dos anos 1940-50, o que parece não ter nada a ver com os dias de hoje. Assim como “Hells Angel's” e “On the road”, símbolos da contra-cultura de 50, 60 anos atrás, que despertam mais curiosidade do que satisfação, pois dizem respeito a uma outra época, de jovens com outra formação, embora sejam obras que mantêm acesa a chama da irreverência, da transgressão que marcou aquele período.
E isso atrai, é claro. A todas as gerações. Aliás, não é a toa que o meu filho frequentemente pergunta por Ginsberg e tem algumas obras do Bukowski junto às coisas dele.
Sinais do fim da adolescência, ou do crescimento de um jovem em busca de afirmação, a procura de desafios, ou que simplesmente quer chamar a atenção, sei lá. O que sei é que todos nós, de alguma forma, passamos por essa fase, independentemente daquilo que será a nossa característica – de leitores ou de abobados – mais adiante.
Eu, por exemplo, nunca me esqueço de uma ocasião, quando eu tinha os meus dezessete anos, em que uma menina, mexendo na minha mochila, pegou o “Cem Anos de Solidão”, do Garcia Márquez, e tentou me esculhambar na frente de todo mundo. – Queres te exibir! – ela disse – com um sorriso maldoso, semi-disfarçado sob o cabelo ruivinho, brandindo o livro em frente à turma que já ensaiava uma vaia. Eu cheguei a titubear por alguns segundos, verdadeiramente tremi, mas não demorou muito e a resposta veio como eu necessitava: esperta, aguda, irrebatível. – Se quisesse me exibir eu lia Joyce – disse, arrancando o livro das mãos da loirinha, e quase que sentindo o peso de um clássico de mais de 800 páginas entre as minhas próprias mãos.
Naquela época, eu ainda não conhecia o “Ulysses”, mas, que diabos, se era para me exibir...
(Se eu fosse o meu guri, não tirava o “Metamorfose” de dentro da mochila, exceto para colocar no lugar dele um Dostoievsky...).     

sábado, 15 de dezembro de 2012

BASÍLIO, PEDRO, CABOCLO - GROELÂNDIA, HERMENA, DIABLURAS...

A releitura de Groelândia, do Basílio Conceição, música dos anos 1970, pelo Edu Damatta, neste fim de ano do fim do mundo, conta com paisagens pampeanas e imagens dos poemas das paredes da casa do Pedro Bittencourt na Praia do Hermenegildo, além da musicalidade do próprio Caboclo e do luxuoso sax do Daniel Zanotelli. Para ouvir e guardar, para além do dia 21. 

domingo, 9 de dezembro de 2012

CIRCO (9/12/1972) - HÁ 40 ANOS!

 
CIRCO
            Sérgio Silveira Canhada
O círculo monstruoso
circo de palhaços trágicos
- máscaras esfarrapadas -
gira cada vez mais rápido
atirando homens no espaço
a velocidades incríveis
Os astros recolhem alguns
ainda que a maioria se perca
- Manicômios Siderais -
Só os grandes bruxos imortais
viverão nos astros
irão embora levando o carnaval!
O picadeiro ficará vazio
cheio de palhaços sem graça
dançando em volta de fogueiras apagadas
para as arquibancadas
- cegas, - surdas, - mudas
repletas de cegos, - surdos, - mudos -
Os feiticeiros estão cansando
A grande viagem de regresso está sendo recomeçada
                                           s
O equilíbrio ã e s  e m i
                     n o xi t     a
Ocírculogiracadavezmaisrápido
* Publicado na Capa do Jornal "A Evolução", de Arroio Grande, RS, em 9 de dezembro de 1972, no auge da ditadura militar, há exatos 40 anos!

AME-O OU DEIXE-O

Nos anos 1970, o ufanismo do slogan "Brasil: Ame-o ou deixe-o", tinha por intenção encobrir uma realidade cruel que o país vivenciava. A mesma realidade que vitimou o estudante Edson Luiz, no Calabouço, o jornalista Vladimir Herzog, numa prisão, e o engenheiro Rubens Paiva, no DOI-CODI, entre tantas outras vítimas da ditadura. As versões oficiais eram tão pantomímicas que, não obstante a sisudez dos militares, estavam transformando o País num circo.
Por aqui, no Arroio Grande, já se falava sobre isso, sobre o Circo.