quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

CARNAVAL, LÓGICO


Mesmo quem já assistiu ao carnaval de Pelotas (ainda tem?), de Porto Alegre; o carnaval do Rio com o seu Sambódromo – a Mangueira, a Portela, a Beija-Flor... – quem já esteve próximo aos trios elétricos de Salvador, com Ivete Sangalo, Gilberto Gil, o camarote da Daniela Mercury; quem já pulou em meio aos frevos do Recife, o maracatu de Naná Vasconcelos, o mangue beach do Nação Zumbi; quem já esteve em outros lugares por esta mesma época sabe que não existe nada melhor do que o Carnaval da cidade da gente, no caso, o Carnaval daqui do Arroio Grande, aquele que começa na Dr. Monteiro, se espalha pelas ruas e avenidas da cidade e só termina onde a imaginação permite.
O povo todinho nas ruas, a passarela tomada pelos carnavalescos, os destaques, os passistas, e - valha-me deus! - as madrinhas das baterias, os camarotes repletos de gente, a bebida dividida fraternalmente, as torcidas carinhosas até na provocação; não existe mesmo nada igual, em lugar nenhum do mundo, do que o carnaval da terra da gente.
Numa cidade dividida politicamente, onde se briga por emprego, por cargo, por apadrinhamento, onde a disputa pelo poder transforma convicções e afeta ideologias, Arroio Grande só vem a conhecer mesmo a democracia plena é na festa do carnaval, nas ruas, na passarela e nos camarotes da Dr. Monteiro.
Nos camarotes, aliás, tudo é possível, ali os encontros mais improváveis acontecem, e – acreditem! - não existe nada mais prazeroso do que vivenciá-los nem que seja por uma noite apenas.
Beber uma cerveja com uma figura numa ponta, conversar com um conhecido na outra, abraçar velhos amigos que só vem aqui por esta época, tudo, tudo faz parte de um momento ímpar da nossa cidade, onde as diferenças políticas e sociais são esquecidas, nem que seja por algumas horas.
A festa incessante dos foliões, os agitados bebedores dos blocos, o apaixonado pessoal das Escolas, os incansáveis trabalhadores da Prefeitura, os profissionais da imprensa, todos surgem como indispensáveis ao melhor Carnaval da Região, o melhor Carnaval do Estado, o melhor Carnaval do País.
O Carnaval do Arroio Grande é mesmo o melhor do mundo por essa singela razão: é o carnaval da terra da gente.
E ainda mais se der à lógica, com a Promorar ganhando novamente (escrevo na quarta, sem saber do resultado), aí sim vem a perfeição, com a melhor Escola do Mundo se consagrando mais uma vez Campeã da maior festa do Planeta.
Pois o Carnaval, que deserta tamanhas paixões, pode também ser justo, ao menos no desejo e na vontade da gente. Ou não pode?!?
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Por falar em coisas boas, está “bombando” na cidade o ‘Bauru do Geco’, um lanche espetacular, que a gente encontra ali na Rui Barbosa, entre Visconde de Mauá e Mal. Floriano. O telefone para tele-entrega? Ora, vão até lá e perguntem pra o Geco, vale a pena, mesmo!!!

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

QUEM ACREDITA NO FANTÁSTICO VIVE O DOMINGO MAIS FELIZ


Os domingos de verão são difíceis, arrastados, modorrentos. A semana já não é fácil, mas o domingo, em casa e no calor, parece ainda pior.
Mesmo quem pode ir à Praia, para disputar espaço em meio à farofagem geral – pastel, guaraná biri, nova schin quente, xixi dentro d’agua... – sabe que o dia será pesado, lento, interminável.
Depois, quando a noite chega, banho tomado e o estômago saturado, a dificuldade é encontrar algo possível de se olhar na tevê, com os filmes repetidos, o big brother se arrastando e a novela que só virá no dia seguinte.
É então que chega aquele momento onde quem assiste e acredita no Fantástico vive o domingo mais feliz.
O Fantástico - em meio a natural programação canhestra dos domingos - é o reino do artificialismo, a superexposição do irrelevante, uma verdadeira fábrica de banalidades, preparadas para levar o telespectador até o mundo que querem que ele acredite que existe.
E tem gente que acredita no Fantástico, e com certeza é mais feliz assim.
Porque eu não acredito. Não acredito nas reportagens, nas entrevistas, no editorial, nas mágicas, não acredito em nada. Não acredito nem na previsão do tempo, se ela não conferir com a do Jorge Américo, na Difusora, segunda-feira.
Aliás, essa é mesmo uma maldita característica minha: não acreditar em quase nada.
Não acredito na justiça (embora acredite no Direito); não acredito na sociedade, não creio no diálogo, não acredito em discursos e nem em boas intenções. Não creio nas palavras, nem nas letras de músicas, não acredito nos poetas e menos ainda nas musas, não acredito em moral e nem em estética; creio na ética, mas não acredito em política, e - se querem mesmo saber -, não acredito sequer no que eu mesmo digo todos os dias.
Eu acredito é no Marta Rocha, acredito na Basílio Conceição; acredito nos puros, nos anjos, nos ingênuos; acredito no Albertino, acredito no Feijão, creio no Bernardino. Eu creio mesmo é no improvável, no honesto, no bom, no justo, acredito no sonho, no lúdico, no imaginário.
Eu acredito nos visionários, nos loucos, nos amaldiçoados; acredito no que ficou pra trás e acredito no que ainda está por vir.
Eu acredito é nas canções do Caboclo, nas crônicas do Arnóbio, na sabedoria do Pedro Bittencourt; eu firmo a minha crença é na maravilhosa poesia da Mar-ilha-flor.
Acredito é no Arroio Grande de 73: Osca, Vilson, Tino, Vilnei e Porquinho; Ivo e Guia; Orlandinho, os dois Paulinhos e o Covinha –; eu acredito é no gol de falta do Marrequinho, e no jogo terminando antes do empate do adversário.
Creio no que a minha imaginação diz, no que a minha memória evoca, na guria fornida que carregava o escudo da minha escola, na paixão pela minha mulher dançando inteirinha pra mim.
Eu creio em tudo o que gosto, em tudo o que afinal desejo, em tudo que muitos duvidam; hoje, eu acredito mesmo é na Promorar campeã do carnaval novamente.
Desde, é claro, que essa minha crença não apareça no Fantástico, porque no Fantástico eu custo a crer, embora tenha que admitir: quem acredita no Fantástico vive o domingo mais feliz.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

MANICÔMIO, QUARTO SETE

(I)
Manicômio, quarto sete,
Última porta, à direita
No fundo do corredor...
Uma janela gradeada
E a cama desarranjada
Com roupas sujas no chão;
Em todo o resto, mais nada...
...
Um homem chamado João,
Ou Antônio ou Gumercindo,
Ou Valentim ou Adão,
Ou Pedro, Luís, Gracindo,
Ou Abel, ou qualquer nome,
Tem ares de um homem livre
Um jeito de alguém feliz
No quarto sete do hospício...
...
Mas Gumercindo ou Adão,
Ou Paulo ou José Maria,
Ou que nome esse homem tenha,
Esse homem não tem nada
Do que os outros homens têm.
Não tem casa, nem família,
Não tem emprego ou salário,
Não tem mulher, não tem filha,
Nem amigos, nem vizinhos,
Nem nada de extraordinário...
...
Por incrível que pareça
Esse homem tem somente
Os ares de quem é gente
E traz luz no coração...
O doido do quarto sete
Dizem que por ser doido
Só por isso, unicamente,
Perdeu o rumo da estrada,
Um lugar na sociedade,
O cumprimento dos outros
Perdeu o respeito alheio,
Perdeu o nome que tinha,
Só não perdeu a razão,
Nem o sonho, nem a vida,
Nem o amor que o levou
Ao quarto sete do hospício...
(II)
Lá fora do manicômio
Passam homens que revelam
As bocas tontas de sono
Os olhos cheios de fome...
Os homens que andam na rua
Têm ares de prisioneiros,
Têm um silêncio que espanta
Têm um jeito de abandono
Têm solidão na garganta
...
Têm problemas, têm dinheiro,
Têm propriedades, têm carros,
Têm emprego, têm salário,
Têm credores, projeção,
Têm doenças e incertezas,
Têm perguntas sem respostas,
Têm angústias e tristezas,
Têm mágoas, inimizades,
E o coração apertado,
Sem ternura nem amor...
...
Lá na rua há gente adulta
Homens sérios, circunspectos;
Lá fora sob bons tetos
Estão os grandes doutores,
Que não atendem doentes
Sem receber a consulta...
Lá fora há advogados
Corretos, compenetrados
Que provam por A mais B
Que ladrões e assassinos
São pessoas inocentes
São uns ótimos meninos...
...
Lá fora só estão os certos
Que sem razão nem porquê
Falam muito da moral;
Indicam a linha reta,
Detestam o diferente
Renegam a novidade
E endeusam o que é normal...
(III)
Lá fora estão militares
Ganhando altos salários
Para prender e matar;
Lá fora estão professores
Que ganham uma miséria
Pelo ato de ensinar ;
Lá fora vive quem cobra
Até mesmo para amar;
Lá fora pessoas morrem
Por não terem o que dar...
...
Lá fora vivem os ricos,
Os patrões, os dirigentes,
Os proprietários da terra
Os que julgam que não erram
Quanto mais vivem a errar...
Lá fora estão exigentes
Credores que simplesmente
Viveram a vida inteira,
À custa da quem precisa...
Lá fora os exploradores,
Deixam todos satisfeitos...
Quem suga o trabalho alheio
É aplaudido, respeitado
E quase sempre é escolhido
Para mandar nos demais...
Em verdade, quem não vê?
Que eles são muito mais loucos
Que o louco do quarto sete...
...
No manicômio, entretanto,
No quarto sete, à direita
No fundo do corredor
Um louco vive sozinho
Com suas lembranças de amor...
Um louco que adora flores
E está longe dos jardins...
Um louco que de repente
Descobre que o mal da gente
É não ter loucura alguma...
(IV)
Um louco que não se exalta
E sabe que infelizmente
Não há o bem longe do mal...
Um louco que sempre soube
Que na vida nada muda
Tudo sempre é sempre igual...
Um louco que compreendeu,
O que ensinam outros loucos
Como Jesus, como Buda,
Como quem passou a vida,
Falando em amor e paz...
...
Manicômio, quarto sete,
No fundo do corredor,
Última porta, à direita,
Uma janela gradeada,
E a cama desarranjada,
Com as roupas sujas no chão...
Lá dentro um louco sozinho,
Um louco que justamente
Por estar longe do mundo,
Por não precisar de nada,
Por não ter inveja alguma,
Nem guardar qualquer rancor,
Por não ter nada a perder
E viver melhor que eu
É um louco que me diz tudo,
Sem jamais ter dito...
...
Manicômio, quarto sete,
Última porta, à direita,
No fundo do corredor,
Uma janela gradeada,
E a cama desarranjada,
Com roupas sujas no chão...
Lá dentro um louco sozinho
Ilumina a solidão,
E em todo o resto, mais nada...
...
(Pedro Jaime Bittencourt)
Praia do Hermenegildo