Nestes
tempos em que alguns cogitam a volta dos militares ao Poder (?),
papel que está fora daquele que a Constituição Federal (Art. 142)
reserva às Forças Armadas, parece interessante fazer uma referência
ao personagem que melhor conheceu os meandros do último ciclo da
ditadura no Brasil (1964–1985), ele que não era nenhum general,
nem tampouco político, muito embora estivesse próximo a todos eles
– dos militares, dos ministros, de deputados e de senadores –
durante os 21 anos de governo de exceção no país.
Chama-se1
Heitor Aquino Ferreira, era capitão (depois major) do Exército e
tinha 28 anos quando o golpe que derrubou João Goulart foi
deflagrado. Desde então, tornou-se assistente do general Golbery do
Couto e Silva – este a eminência parda dos governos militares no
período. Já a partir de junho de 1964, Heitor começaria a escrever
um diário, passando a relatar, com riqueza de detalhes, os
bastidores das principais decisões da época.
Os
arquivos de Heitor Ferreira, que se misturaram com os arquivos do
general Golbery, formaram um acervo de 5 mil documentos, entre
anotações, bilhetes ou simples rabiscos, que o capitão ia
pacientemente juntando ao longo do período em que foi secretário,
primeiro de Golbery (de 1964 a 1967), depois de Geisel (de 1972 a
1979), passando ainda pela Petrobrás e pelo Projeto Jari, nos
governos Geisel e Figueiredo.
Heitor
manteve, ainda, por mais de duas décadas, “um diário
manuscrito que em 1985 somava dezessete cadernos escolares com cerca
de meio milhão de palavras, suficiente para formar uma obra de 1500
páginas”. “O mais minucioso e surpreendente retrato do
poder já feito em toda a história do Brasil”2,
sendo que o seu autor ainda é um desconhecido da imensa maioria dos
brasileiros.
O
detalhe em tudo isso é que Heitor Aquino Ferreira, filho de Abelar
Joaquim Ferreira e Lídia Aquino Ferreira, é gaúcho, nascido em 21
de dezembro de 19353
em Olimpo – Arroio Grande,
RS, sendo que nunca se soube de nenhuma notícia dele por aqui.
Com
trajetória militar iniciada no final dos anos 1950, (Heitor já era
tenente em 1961, quando do episódio da Legalidade), o homem
que formou o maior arquivo do governo militar em duas décadas parece
não ter deixado marcas da sua infância e da sua juventude, restando
acerca dele algumas interrogações.
Primeiro:
sendo Heitor Ferreira nascido na Vila Olimpo, atual município de
Pedro Osório, que até 1957 pertencia, como distrito, ao Arroio
Grande, teria vivido a sua mocidade aqui ou próximo daqui? Quem, do
Arroio Grande, chegou a conhecer pessoalmente Heitor?
Segundo:
Por acaso alguma vez, o homem que possuía o “mais minucioso e
surpreendente retrato do poder já feito da história do Brasil”, a
grande testemunha de um quarto de século dos acontecimentos do País,
foi procurado por autoridades da sua terra, isto é, do Arroio
Grande, ou mesmo de Pedro Osório, para uma palestra, uma
conferência, ou simplesmente para ilustrar com um pouco de
conhecimento histórico as cabeças espremidas destes torrões?
1
- São escassas as informações atuais sobre Heitor Ferreira, que
tornou-se tradutor de livros. O jornalista Ricardo Boechat (Revista
ISTOÉ) publicou, no final de 2008, que “o ex-major Heitor de
Aquino Ferreira está internado na UTI de uma clínica no Rio. Desde
dezembro ele luta contra um distúrbio imunológico que ataca rins e
pulmões, com risco de morte”. Já um artigo de Saul Leblon,
publicado na Revista “Carta Maior”, em dezembro de 2013, dá a
entender que o militar estaria morto. O jornalista André Petry,
entretanto, em conversa pessoal com este autor em março de 2017,
garantiu que Heitor Ferreira está vivo, tendo inclusive frequentado
a redação da Revista Veja no ano de 2016.
2
- Elio Gaspari – A ditadura envergonhada, Companhia das
Letras, 2002, pág. 15.
3
- Existem três informações convergentes sobre a idade de Heitor
Ferreira: uma, que teria 28 anos em 31/03/1964 (Elio Gaspari – A
ditadura encurralada, pág. 15), outra que estaria com 38 anos
em março de 1974 (Elio Gaspari – A ditadura derrotada,
pág. 412), e outra que contaria com 47 anos quando foi exonerado
por Figueiredo, em 1983. A data de seu nascimento foi retirada do
Blog Genealogia e História na Fronteira Sul do RS, post
de 8 de agosto de 2014.
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