sexta-feira, 6 de outubro de 2017

O ARQUIVO VIVO DA DITADURA

Nestes tempos em que alguns cogitam a volta dos militares ao Poder (?), papel que está fora daquele que a Constituição Federal (Art. 142) reserva às Forças Armadas, parece interessante fazer uma referência ao personagem que melhor conheceu os meandros do último ciclo da ditadura no Brasil (1964–1985), ele que não era nenhum general, nem tampouco político, muito embora estivesse próximo a todos eles – dos militares, dos ministros, de deputados e de senadores – durante os 21 anos de governo de exceção no país.
Chama-se1 Heitor Aquino Ferreira, era capitão (depois major) do Exército e tinha 28 anos quando o golpe que derrubou João Goulart foi deflagrado. Desde então, tornou-se assistente do general Golbery do Couto e Silva – este a eminência parda dos governos militares no período. Já a partir de junho de 1964, Heitor começaria a escrever um diário, passando a relatar, com riqueza de detalhes, os bastidores das principais decisões da época.
Os arquivos de Heitor Ferreira, que se misturaram com os arquivos do general Golbery, formaram um acervo de 5 mil documentos, entre anotações, bilhetes ou simples rabiscos, que o capitão ia pacientemente juntando ao longo do período em que foi secretário, primeiro de Golbery (de 1964 a 1967), depois de Geisel (de 1972 a 1979), passando ainda pela Petrobrás e pelo Projeto Jari, nos governos Geisel e Figueiredo.
Heitor manteve, ainda, por mais de duas décadas, “um diário manuscrito que em 1985 somava dezessete cadernos escolares com cerca de meio milhão de palavras, suficiente para formar uma obra de 1500 páginas”. “O mais minucioso e surpreendente retrato do poder já feito em toda a história do Brasil”2, sendo que o seu autor ainda é um desconhecido da imensa maioria dos brasileiros.
O detalhe em tudo isso é que Heitor Aquino Ferreira, filho de Abelar Joaquim Ferreira e Lídia Aquino Ferreira, é gaúcho, nascido em 21 de dezembro de 19353 em Olimpo – Arroio Grande, RS, sendo que nunca se soube de nenhuma notícia dele por aqui.
Com trajetória militar iniciada no final dos anos 1950, (Heitor já era tenente em 1961, quando do episódio da Legalidade), o homem que formou o maior arquivo do governo militar em duas décadas parece não ter deixado marcas da sua infância e da sua juventude, restando acerca dele algumas interrogações.
Primeiro: sendo Heitor Ferreira nascido na Vila Olimpo, atual município de Pedro Osório, que até 1957 pertencia, como distrito, ao Arroio Grande, teria vivido a sua mocidade aqui ou próximo daqui? Quem, do Arroio Grande, chegou a conhecer pessoalmente Heitor?
Segundo: Por acaso alguma vez, o homem que possuía o “mais minucioso e surpreendente retrato do poder já feito da história do Brasil”, a grande testemunha de um quarto de século dos acontecimentos do País, foi procurado por autoridades da sua terra, isto é, do Arroio Grande, ou mesmo de Pedro Osório, para uma palestra, uma conferência, ou simplesmente para ilustrar com um pouco de conhecimento histórico as cabeças espremidas destes torrões?
1 - São escassas as informações atuais sobre Heitor Ferreira, que tornou-se tradutor de livros. O jornalista Ricardo Boechat (Revista ISTOÉ) publicou, no final de 2008, que “o ex-major Heitor de Aquino Ferreira está internado na UTI de uma clínica no Rio. Desde dezembro ele luta contra um distúrbio imunológico que ataca rins e pulmões, com risco de morte”. Já um artigo de Saul Leblon, publicado na Revista “Carta Maior”, em dezembro de 2013, dá a entender que o militar estaria morto. O jornalista André Petry, entretanto, em conversa pessoal com este autor em março de 2017, garantiu que Heitor Ferreira está vivo, tendo inclusive frequentado a redação da Revista Veja no ano de 2016.
2 - Elio Gaspari – A ditadura envergonhada, Companhia das Letras, 2002, pág. 15.
3 - Existem três informações convergentes sobre a idade de Heitor Ferreira: uma, que teria 28 anos em 31/03/1964 (Elio Gaspari – A ditadura encurralada, pág. 15), outra que estaria com 38 anos em março de 1974 (Elio Gaspari – A ditadura derrotada, pág. 412), e outra que contaria com 47 anos quando foi exonerado por Figueiredo, em 1983. A data de seu nascimento foi retirada do Blog Genealogia e História na Fronteira Sul do RS, post de 8 de agosto de 2014. 
Heitor Ferreira, com Golbery do Couto e Silva e Ernesto Geisel
Heitor Ferreira com Shigeaki Ueki e Mário Henrique Simonsen 

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