domingo, 22 de janeiro de 2012

HERMENEGILDO-ARTIGOS

No mês de março de 1989, durante quatro dias, alguns homens oriundos "da cidade" - o Juiz de Direito Fernando Grassi, o Promotor de Justiça Fausto Domingues, o Advogado Passinhos e o Bancário "Biriba" - experimentaram uma espécie de "retiro" na casa de praia do advogado e poeta Pedro Bittencourt, no Balneário do Hermenegildo, na companhia do próprio Pedro e de alguns personagens da Praia, como os declamadores Roger Viana e Adílson Feijó, o músico Menandrinho Corrêa, pescadores, cozinheiros, artistas e arteiros de toda a espécie.
A experiência da confraria foi contada por Fernando Grassi no jornal "A Opinião Pública", de Pelotas, em dois artigos publicados nas edições de 9 de abril e 15 de abril de 1989 (abaixo) e entra para a história como mais um registro dos que experimentaram a paz, a tranquilidade e a magia do velho Hermena, em qualquer tempo.

(Para melhor leitura, segue reprodução dos artigos no post abaixo, com o título Hermenegildo-Testemunho, texto escrito pelo Grassi pai e enviado pelo Grassi filho, que, salvo engano, também esteve presente ao encontro). Boa leitura.

HERMENEGILDO-TESTEMUNHO(I)

HERMENEGILDO
Fernando Rosa Grassi

Durante quatro dias, experimentei as solidões da praia do Hermenegildo, na casa do amigo Pedro Jaime Bittencourt. A praia, simples e agradável, fica a poucos quilômetros do ponto que marca o fim geográfico do Brasil, o Arroio Chuí. A vila estava quase deserta num mês de março quente e seco. O dono da casa é advogado-poeta ou poeta-advogado. Mais poeta que advogado, penso eu. Naquelas lonjuras, ele fica boa parte do ano, num exílio voluntário. Alguns poucos fugitivos mais fazem-lhe companhia, formando uma comunidade insólita, atípica e original. Optaram por um isolamento incrível, mas lírico.
Um desses estranhos personagens era funcionário do Banco do Brasil em cidade distante. Tinha mais de quinze anos de casa. Certo dia tomou emprestado o carro de um colega e foi visitar sua terra natal, Arroio Grande. Após misteriosa conversa com Pedro Jaime, telefonou para o amigo propondo uma troca invulgar. Ele ficaria com o carro que trouxera e o colega tomaria posse da casa de sua propriedade, na cidade onde trabalhavam. Proposta aceita, tratou de exonerar-se do banco e refugiou-se na praia do Hermenegildo, de onde raramente sai. E lá está ele. Há mais de dez anos.
Mas as singularidades não são privilégios dessa bizarra e espontânea congregação. A casa de Pedro Jaime apresenta notável excentricidade. As paredes externas estão inteiramente cobertas por pinturas e desenhos que vão desde o academicismo clássico até o mais descomedido surrealismo. Na fachada, canto superior direito, uma indicação: “Rua da Maré Vermelha – nº Único”. De longe a casa chama a atenção pelo inusitado. No interior, as paredes e o forro da parte social tem a superfície totalmente ocupada por versos, pensamentos, frases de conteúdo, ora provocando o riso, ora desafiando a inteligência. Quase tudo é de autoria do ilustre dono. Essa literatura-mural já está invadindo os quartos e, por certo, tomará conta dos banheiros.
O piso de entrada, ao abrir-se a porta, num retângulo negro que avança para o interior da sala foram pintadas várias flores. Entre elas, em letras amarelas, lê-se: “Entra. Quero que minhas flores te conheçam... Não passa agora. Pára. Observa o teu corpo ficar inalterado. Segue então a canção das flores; vida a deslizar sob os teus pés”.
Já disse o genial Chesterton que “o doido é aquele que perdeu tudo, menos a razão”. Por isso, ninguém pode tirar conclusões apressadas sobre a forma de vida, a idiossincrasia de Pedro Jaime e sua irmandade de exilados. Deve-se aceitá-los, se não se puder entendê-los.
(Publicado no jornal A Opinião Pública, de Pelotas, em 09.04.1989)

HERMENEGILDO-TESTEMUNHO(2)

HERMENEGILDO (final)
Fernando Rosa Grassi

Sentem-se bem quando, encerrado o veraneio, vivem uma verdadeira colônia de asilados. Aliás, só então vivem com maior intensidade, solitários, naqueles ermos. Quando a população da vila rareia ao extremo, são eles os donos de tudo. Possuem a terra e o céu, o mar e os peixes, o vento e a solidão, pois tudo isso é de ninguém.
Nessa época atingem o nirvana. Não há vizinhos, nem banhistas, nem nada que agite essa sociedade meio absurda, mas real e, por esquisita, fascinante. Se o dinheiro escasseia, o mar provê a despensa. Mas tudo isso não seria possível se todos fossem contemplativos e poéticos pensadores. Gente pouco prática, geralmente. Eles têm um parceiro que garante a existência da extravagante associação. É o Roger. Roger é o executivo, o primeiro-ministro. É ele quem faz as compras, que pesca, cozinha, lava e arruma tudo. Providencia o mate e o aperitivo. Troca uma lâmpada e conserta a fechadura. E quando a noite desce, ainda anima as tertúlias, declamando, em perfeito espanhol, lindas poesias com sentimento incomum. Sem ele, não sei se seria possível a reunião, em tais circunstâncias, de pessoas tão extraordinárias. Não teriam tempo, acredito, nem para pensar, debater e escrever frases e poesias pelas paredes. Como estas:
“Errada não é a cigarra que não trabalha; errada é a formiga que não canta”.
“O perdão tirou toda a graça do pecado”.
“Lamento muito, mas um dia eu tenho de deixá-los... Quando isso ocorrer, por favor, não me levem a mal... Desde já declaro que partirei absolutamente contrariado”.
“Basta amar-te para ser menino”.
“Todo avô é apenas o neto que ficou mais velho”.
“Posso dar-te um livro, uma flor, um beijo... coisas de que gostas... Mas a felicidade eu não te posso dar... porque a felicidade que eu tenho és tu... e se eu te der para ti, fico pobre... pobre... pobre...”
“Sou o último menino que me resta... Não permitam que ele cresça”.
“Até partir não quero envelhecer”.
“O dilúvio não deu resultado. O mundo continua igual”.
Só um louco pode ser sempre feliz. Não me lembro quem afirmou essa verdade. Acho que foi um russo. Realmente, a frase fica muito bem na boca de um personagem de Dostoievski. Não se pense porém, que os integrantes do estranho congresso que se reúne na praia do Hermenegildo tenham alcançado tal grau de alienação.
Mesmo à distância continuam ligados ao mundo. Escolheram uma vida simples e sem complicações. Reduziram ao mínimo ou a zero a cota de vaidades comum a todos os homens. Vivem essencialmente livres.
Liberdade! Esta é a palavra-chave. Junte-se a natureza à liberdade e, creio, está decifrada a receita para comportamentos aparentemente enigmáticos.
Pedro Jaime é um poeta de rara sensibilidade, como dizem os críticos literários. Mas ninguém vive só de poesia. E, volta e meia, como advogado, está envolvido no emaranhado de processos judiciais, por onde passam todas as misérias morais dos habitantes deste vale de lágrimas. Mesmo à beira-mar, posso imaginá-lo, cismarento, pensando como qualquer normal, em tudo o que poderia ter sido e não foi.
Alguém já disse, gracejando, que Pedro Jaime é um E.T., expatriado de seu planeta de origem, por inadaptação social. Não duvido. Talvez tenha difundido por lá as idéias que Proudhon, Bakunin e Kropotkin andaram espalhando por aqui. Talvez, às vezes, sinta terna saudade de sua querência estelar. E uma pergunta fica sem resposta: por que teria escolhido a Terra?
Por fim, mais algumas pílulas douradas extraídas das portas e paredes do excelente relicário dos reclusos:
“Quem tem o mar na porta, conversa com o sol pela janela”.
“Se eu morasse em teu olhar, fechava a porta por dentro”.
“Bem feito que eu te adoro”.
“Que a foice não ceife a flor, nem o martelo quebre a viola”.
“O furto é apenas uma recuperação parcial”.
“Desde que levaste a minha solidão, eu não consigo mais ficar sozinho”.
“A manhã que chega traz de volta o dia que se foi”.
“Sou louco e provo”.
Numa porta: “Se é para fechar-me, então por que me abres?”.
“Estou doente, doente de tudo. Dos olhos, da boca, nos nervos até. Dos olhos que viram mulheres formosas. Da boca, inchada de fumo e café. Estou doente, não posso escrever... Eu quero a doçura do verbo viver”.
“Quem não tenta voar, morre no chão”.
“Casar é bom, o diabo é permanecer casado”.
“Antes nunca do que tarde”.
“Quem proíbe o que é bom, torna-o muito melhor”.
“Só porque você tem 50 anos, não é obrigado a ter 50 anos”.
“A taça vazia não é doce nem amarga”.
“O verso mais triste é o que eu não soube dizer no momento em que te perdia”.
“Não há tempo mais feliz que o tempo que passou”.
“Tristes não são os que a tristeza tem, Encerrada em seu olhar tristonho; Tristes são os que sonham com alguém, Que existe apenas em seu próprio sonho”.
“Acordas em mim o menino, Que há muito tempo o destino, Levou prá longe de mim...”
Acreditem, eu vi e dou meu testemunho. Que magnífico Templo para tão formidável confraria!
(Publicado no jornal A Opinião Pública, de Pelotas, em 13.04.1989)

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

HERMENEGILDO

Faces da Praia do Hermenegildo - Onde termina o Brasil e começa o Paraíso...Hermenegildo - 1967


Hermenegildo - Inverno

Hermenegildo - Ciclone

Hermenegildo - 2008

Hermenegildo - 2010

Hermenegildo - 15 de janeiro de 2012

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

2011/2012









Fim de ano, começo de ano... Paz, saúde, trabalho. Vida, arte, família. Amigos, amigos e amigos. E nada mais!